A aplicação da Lei Magnitsky pelo governo dos Estados Unidos contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, anunciada na quarta-feira (30), desencadeou um cenário de incertezas para bancos brasileiros com operações internacionais. A medida, que proíbe cidadãos e empresas americanas de realizar transações com o magistrado, levanta preocupações sobre os impactos financeiros e operacionais para instituições financeiras no Brasil, especialmente aquelas com vínculos no sistema financeiro dos EUA. Especialistas apontam que, embora a soberania nacional limite a aplicação direta da lei no Brasil, o receio de sanções secundárias pode levar bancos a adotarem medidas preventivas, como o encerramento de contas ou a restrição de serviços ao ministro.
A Lei Magnitsky, aprovada em 2012 durante o governo de Barack Obama e ampliada em 2016 pelo Global Magnitsky Act, permite que os EUA imponham sanções econômicas a indivíduos acusados de violações de direitos humanos ou corrupção. No caso de Moraes, o governo americano, liderado por Donald Trump, justificou a inclusão do ministro na lista de sancionados, a SDN (Specially Designated Nationals), por supostamente “autorizar detenções arbitrárias” e “suprimir a liberdade de expressão”, citando decisões judiciais relacionadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a plataformas de redes sociais americanas. As sanções preveem o bloqueio de bens nos EUA, a proibição de entrada no país e a restrição de transações com empresas ou cidadãos americanos, o que inclui o uso de cartões de crédito de bandeiras como Visa, Mastercard e American Express.
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Para bancos brasileiros, o principal impacto da sanção está relacionado à sua exposição ao sistema financeiro internacional, especialmente ao sistema Swift, que conecta mais de 11 mil instituições em cerca de 200 países. Bancos como Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco, BTG Pactual e Santander, que mantêm operações ou subsidiárias nos EUA, enfrentam o dilema de cumprir as sanções americanas para evitar penalidades ou manter o relacionamento com Moraes, uma autoridade brasileira, sob o risco de conflitos com a legislação nacional. “A sanção, no final das contas, vai acabar afetando toda movimentação financeira do Moraes. Todos os bancos brasileiros estão acoplados ao Swift. Com isso, o banco fica obrigado a seguir regras de compliance que o impedem de ter como cliente pessoas sancionadas”, afirmou Ricardo Inglez de Souza, especialista em comércio internacional do escritório IW Melcheds, em entrevista ao Estadão.
No entanto, especialistas destacam que a aplicação das sanções no Brasil não é automática. José Augusto Fontoura Costa, chefe do departamento de Direito Internacional da USP, explicou ao portal Conjur que “é ilícito, para o Direito brasileiro, restringir serviços como a manutenção de uma conta bancária sem que haja base jurídica”. Ele sugere que, caso bancos brasileiros fechem contas de Moraes, o ministro poderia recorrer à Justiça brasileira para contestar a medida. Além disso, o sistema Pix, por ser exclusivamente brasileiro, não estaria sujeito às sanções, permitindo que Moraes continue realizando transações em reais.
Em reportagem publicada pelo Estadão, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) optou por não comentar “quaisquer aspectos específicos de transações, permitidas ou vedadas, afetas a relacionamento de bancos com seus respectivos clientes, que estão, inclusive, protegidas por sigilo bancário”. Já o presidente do Bradesco, Marcelo Noronha, afirmou que o banco aguarda pareceres jurídicos de escritórios internacionais para avaliar a abrangência da lei, mas destacou que “a lei tem de ser cumprida, somos uma organização que tem negócios nos EUA”.
O impacto econômico também preocupa. A exclusão de um banco do sistema Swift, embora considerada remota por especialistas, poderia gerar prejuízos significativos, como ocorreu em 2022 com o banco russo VTB, que teve US$ 100 milhões bloqueados nos EUA por violar sanções da Lei Magnitsky. No Brasil, instituições como o Banco do Brasil, que opera em Nova York, poderiam enfrentar perdas estimadas entre US$ 10 milhões e US$ 50 milhões caso fossem penalizadas. Além disso, a percepção de insegurança jurídica decorrente da sanção pode afastar investimentos estrangeiros.
A tensão também alcança o campo político. Uma ação movida pelo PT no STF, sob relatoria do ministro Cristiano Zanin, busca impedir que bancos brasileiros apliquem as sanções contra Moraes, argumentando a defesa da soberania nacional. O STF, por sua vez, manifestou “solidariedade” ao ministro sancionado e reafirmou que suas decisões foram tomadas de forma colegiada, mas não deve interferir diretamente para impedir que bancos sigam as sanções americanas.
O cenário permanece incerto, com especialistas divididos sobre até que ponto os bancos brasileiros optarão por cautela para evitar sanções secundárias. Enquanto isso, Moraes afirmou que ignorará as sanções e continuará seu trabalho no STF, comparando as pressões à atuação de “milicianos”.
A sanção contra Moraes, considerada sem precedentes por atingir um juiz de Suprema Corte, coloca os bancos brasileiros em uma posição delicada, entre cumprir exigências internacionais e respeitar a legislação nacional, com potenciais impactos financeiros e diplomáticos ainda em aberto.