A recente decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determina que ordens judiciais e executivas de governos estrangeiros só têm validade no Brasil após homologação pelo Supremo, oferece proteção ao ministro Alexandre de Moraes diante das sanções impostas pelos Estados Unidos com base na lei Magnitsky. Contudo, a medida não elimina os riscos para bancos brasileiros, que enfrentam um dilema entre cumprir a determinação do STF ou acatar sanções norte-americanas, sob pena de multas severas.
Na segunda-feira (18), Dino afirmou que ordens judiciais e executivas estrangeiras não “produzem efeitos” a “pessoas naturais por atos em território brasileiro” ou a “empresas que aqui atuem”, a menos que sejam confirmadas pelo STF. A decisão foi proferida em uma ação relacionada ao rompimento da barragem de Mariana, em Minas Gerais, e reforça um “princípio consolidado”, segundo Paulo Borba Casella, professor de Direito Internacional da USP. Para discutir o tema, Dino determinou a realização de uma audiência pública no STF, com participação de representantes dos três Poderes. A data dependerá da disponibilidade de salas, já que a agenda de setembro está ocupada com o julgamento da ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe.
A lei Magnitsky, criada em 2012 para punir violações de direitos humanos e corrupção, foi aplicada pela primeira vez a uma autoridade brasileira, Alexandre de Moraes, por decisão do governo Donald Trump, influenciada pelo lobby do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Moraes, que conduz investigações contra Bolsonaro e aliados, afirma não ter bens ou contas nos EUA, nem o costume de viajar ao país, o que minimiza impactos diretos de bloqueios de ativos no exterior. No entanto, as sanções da Magnitsky podem gerar consequências fora do Brasil. “Os efeitos [da lei] são amplos. Existem outros graus de punições que podem decorrer dela, que não necessariamente produzem efeitos no território nacional”, explica Álvaro Jorge, professor de Direito da FGV do Rio de Janeiro.
Indivíduos e empresas sancionados pela Magnitsky enfrentam bloqueios de contas e cartões em instituições norte-americanas por tempo indeterminado, o que pode complicar transações internacionais.
A decisão de Dino coloca os bancos brasileiros em uma encruzilhada, conforme destaca Vladimir Aras, ex-secretário de Cooperação Internacional da PGR: “A decisão [para os bancos] é puramente econômica. Saber o que sai mais barato. No caso brasileiro, a multa pode ser baixa, mas o risco é imediato. No caso americano, a sanção secundária pode demorar, mas, se vier, será pesada.” Caso optem por seguir a lei norte-americana, os bancos descumprirão a determinação do STF, alerta Casella: “O cumprimento de medidas como essa fica sujeito à concordância e atuação das autoridades judiciais brasileiras. É importante lembrar que os EUA têm a prática ilegal e abusiva de proceder a medidas unilaterais, independentemente de ciência e concordância dos judiciários estrangeiros.”
Um exemplo emblemático é o do banco francês BNP Paribas, que, em 2014, foi multado em US$ 8,8 bilhões (cerca de R$ 48 bilhões na cotação atual) por burlar embargos dos EUA a países como Sudão, Irã e Cuba. O banco reconheceu ter transferido US$ 6,4 bilhões de clientes sudaneses, US$ 1,7 bilhão de cubanos e US$ 650 milhões de iranianos.
Apesar da ameaça, a aplicação da Magnitsky a bancos brasileiros é considerada improvável por especialistas. Vitor Rhein Schirato, professor de Direito Administrativo da USP, argumenta: “Não tem precedente de que isso já tenha acontecido. Pela regra, poderia acontecer, mas a possibilidade é pequena. A lei pega ativos em dólar. O BNP mantinha várias contas de autoridades árabes sancionadas.” Ele acrescenta que o sigilo bancário dificulta a identificação de contas de Moraes no Brasil: “Há o sigilo bancário, é impossível os Estados Unidos saberem que Moraes tem uma conta no Brasil. Essa hipótese é delirante. Não vai dar para executar a Magnitsky no Brasil com uma conta em real.”
A decisão de Dino surge após conversas entre ministros do STF e banqueiros sobre as ações do governo Trump contra Moraes, consideradas insatisfatórias pela Corte, segundo a Folha. A medida visa proteger o ministro, mas não o blinda completamente das sanções da Magnitsky, que podem ter implicações internacionais. A situação reflete a tensão entre a soberania brasileira e as pressões unilaterais dos EUA, em um caso que marca um precedente inédito no país.
Com informações do portal Uol.