No segundo dia de votação dos ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da trama golpista, nesta terça-feira (9), o ministro Luiz Fux votou pela nulidade do processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus, alegando que a 1ª Turma é incompetente para julgar o caso e que houve cerceamento de defesa. O placar está em 2 a 0 pela condenação, com votos dos ministros Alexandre de Moraes, relator, e Flávio Dino.
Fux iniciou sua fala destacando o papel do STF como guardião da Constituição. “Em qualquer tempo ou circunstância, a Constituição deve funcionar como um ponto de partida, como caminho e ponto de chegada de todas as indagações nacionais”, afirmou. Ele destacou que o STF não deve agir como “agente político” e que sua competência é limitada. “Compete ao STF principalmente a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar originariamente nas infrações penais comuns o presidente da República, o vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o PGR. O primeiro pressuposto que o ministro deve analisar antes de ingressar na denúncia ou petição inicial é verificar se ele é competente”, disse.
O ministro argumentou que nenhum dos réus possuía prerrogativa de foro quando denunciados, tornando o STF incompetente para julgar o caso. “Ao rebaixar a competência original do plenário para uma das turmas, estaríamos silenciando as vozes de ministros que poderiam esterilizar a forma de pensar sobre os fatos a serem julgados nesta ação penal. A Constituição Federal não se refere às Turmas, ela se refere ao plenário e seria realmente ideal que tudo fosse julgado pelo plenário do STF com a racionalidade funcional”, defendeu, acolhendo a preliminar de incompetência da Primeira Turma e declarando a nulidade de todas as decisões.
Fux também abordou a preliminar de cerceamento de defesa, apontando a dificuldade de análise devido à quantidade de material apreendido, que ele chamou de “tsunami de dados”. “Foi nesse contexto que as defesas alegaram cerceamento de defesa, em razão dessa disponibilidade tardia que apelidei de um ‘tsunami de dados’”, afirmou. Ele destacou que “nem acreditei porque são bilhões de páginas e, apenas em 30 de abril de 2025, portanto mais de um mês após receber a denúncia, em menos de 20 dias foi proferida a decisão deferindo a entrega de mídias e dos materiais apreendidos”. Citando o filósofo Sêneca e a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, Fux reforçou a importância do contraditório: “A garantia do contraditório e da ampla defesa, incorporada ao Direito ocidental ao longo do tempo, já era ressaltada na obra do filósofo histórico Sêneca e afirmava: ‘quem decide o que quer que seja sem ouvir a outra parte, mesmo que decida com justiça, efetivamente não é justo’”. Assim, ele acolheu a preliminar de violação do contraditório e da ampla defesa, declarando a nulidade do processo desde o recebimento da denúncia em 26 de março de 2025.
Sobre a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), Fux mencionou que o caso envolve 34 réus, sendo oito no primeiro grupo, acusados de cinco crimes, incluindo organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Ele comparou a complexidade do caso ao do Mensalão, que levou anos para ser julgado. “Estou há 14 anos no Supremo Tribunal Federal. Julguei casos complexos, como o Mensalão. Cármen Lúcia, nossa decana, também esteve presente no processo. Foram dois anos para receber a denúncia, 5 anos para ser julgado. Um trabalho exaustivo do relator, mas que diga-se a realidade de um trabalho que ninguém conhecia melhor do que ele. Procurei analisar cada detalhe do seu trabalho, um trabalho muito denso”, afirmou. “Eu confesso que tive dificuldade para elaborar o voto. Eu acolho a preliminar de violação à garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa e, por consequência, declaro a nulidade do processo desde o recebimento da denúncia”, avaliou.