O colegiado da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou por unanimidade os embargos apresentados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais seis condenados na Ação Penal (AP) 2668, referente à trama golpista. Para o grupo de ministros, os embargos só repetiram pontos já refutados durante o processo.

Os embargos de declaração em análise geralmente buscam sanar lacunas, incertezas ou inconsistências na sentença. De acordo com o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, os advogados exibiram apenas “mero inconformismo” com o resultado, e conforme a jurisprudência estabelecida no STF, embargos de declaração não servem para reexaminar o desfecho.
Seguiram a opinião do relator a ministra Cármen Lúcia e os ministros Cristiano Zanin e Flávio Dino, que preside o grupo. O ministro Luiz Fux ficou de fora da análise. No mês anterior, o magistrado transferiu-se para a Segunda Turma do tribunal depois de optar pela inocência de Bolsonaro.
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Na AP 2668, o painel identificou, com base sólida, a formação de uma quadrilha que, a partir de julho de 2021, promoveu uma cadeia de ações que resultaram em tentativas de sublevação e de derrubada forçada do regime democrático.
Jair Bolsonaro
A defesa do ex-presidente reiterou, entre outros pontos, a alegação de cerceamento de defesa pela não participação no interrogatório dos réus dos demais núcleos da tentativa de golpe de Estado, o excesso de documentos para análise e a falta de credibilidade na delação do tenente-coronel Mauro Cid. Sustentou ainda que Bolsonaro não incentivou nem endossou os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, que se absteve de praticar qualquer ato formal que levasse à prática de crime e que adotou postura pública de desestímulo e recuo, encerrando, por iniciativa própria, a prática delituosa.
O relator observou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) demonstrou amplamente que Bolsonaro exerceu a liderança da organização criminosa que propagou a falsa narrativa de fraude eleitoral em 2022, o que estimulou apoiadores a invadir o Supremo, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Quanto ao excesso de documentos, destacou que a quantidade de provas está diretamente relacionada à complexidade do caso, e que eventuais dificuldades técnicas de acesso poderiam ter sido resolvidas com o auxílio de especialistas em informática. Em relação à delação, lembrou que os depoimentos do colaborador foram acompanhados por advogados que não fizeram objeções. Por fim, destacou que as condutas imputadas a Bolsonaro foram comprovadas durante o processo, sem que tenha havido qualquer alegação de desistência voluntária em relação aos crimes.
Almir Garnier
A defesa do almirante da reserva, ex-ministro da Marinha, alegou falta de clareza nos fundamentos adotados para calcular sua pena e apontou supostas contradições na condenação, que fixou penas-base diferentes das previstas no voto do relator. Disse também que o exercício de funções de alta responsabilidade no Estado foi usado para agravar a culpa de Garnier de forma exagerada. Apontou, por fim, omissão quanto à individualização de sua conduta nos crimes.
O ministro Alexandre afirmou que as penas foram calculadas de maneira fundamentada, com a aplicação de agravantes em razão da gravidade dos crimes e de suas consequências e seus impactos na comunidade internacional. Segundo o relator, a conduta de Garnier merece “acentuada reprovação” justamente por ter, na condição de comandante da Marinha, agido contra os deveres de defender a pátria e garantir o funcionamento regular dos Poderes constitucionais.
Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira
A defesa do general da reserva, ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa também apontou equívoco no cálculo da pena e questionou os fundamentos para que ela tenha sido agravada. Alegou que o fato de Nogueira ter tentado demover outros agentes dos crimes envolvendo o ataque de 8 de janeiro de 2023 deveria ser levado em conta e que ele nem sequer deveria ter sido processado por essas condutas. Disse, por fim, ter havido violação a princípios como o da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.
O ministro Alexandre afirmou que não houve erro nem contradição no cálculo da pena e que ela foi agravada em razão da gravidade dos fatos e de suas eventuais consequências. De acordo com o relator, a fundamentação é “absolutamente coerente” com as provas dos autos. Explicou também que, em crimes de atentado, não cabe a hipótese de desistência voluntária, pois o início dos atos executórios já representa a própria consumação do delito. O relator detalhou, por fim, as razões para rejeitar as alegações de violação de princípios constitucionais, com base nos autos.
Augusto Heleno
A defesa do general da reserva, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), alegou que não teve acesso aos autos e apontou violações ao sistema acusatório, ao devido processo legal e ao direito ao silêncio. Sustentou que o relator atuou de forma parcial e assumiu funções do Ministério Público. Disse ainda que houve contradição e omissão na sentença, ao associar Heleno, sem provas, ao uso ilegal da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), e nas conclusões extraídas de anotações encontradas em sua casa.
O ministro Alexandre de Moraes negou as alegações de violações constitucionais e demonstrou, com registros do STF, que as defesas tiveram acesso aos autos. Afirmou que não houve parcialidade em sua atuação, conforme precedentes do Tribunal, e que o direito ao silêncio foi respeitado, sem impedir questionamentos do relator. Também rejeitou as supostas omissões ou contradições nas provas do processo e disse que as alegações da defesa não têm respaldo fático e probatório.
Braga Netto
Os advogados do general da reserva, ex-ministro da Defesa, alegaram suspeição do relator e cerceamento de defesa pelo indeferimento da gravação da audiência de acareação e de participação no interrogatório dos demais núcleos. Também sustentaram que a delação de Mauro Cid não teria sido voluntária.
No voto, o relator explicitou que a alegação de suspeição foi analisada e rejeitada no julgamento de mérito da ação penal. Reiterou, ainda, que todas as defesas tiveram acesso a todas as provas obtidas. Em relação à acareação, explicou que a íntegra foi disponibilizada nos autos e que não foi demonstrado nenhum prejuízo com a forma de acesso ao material.
Anderson Torres
A defesa do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal pediu que a conduta envolvendo o uso da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no segundo turno das eleições fosse classificada como crime eleitoral. Também argumentou que não teriam sido devidamente analisadas as provas favoráveis, como mensagens que demonstrariam sua intenção de proteger o STF, postagens de repúdio aos atos de 8/1, a reunião de desmobilização dos acampamentos em 6/1 e a assinatura de protocolos de ações integradas. Por fim, contestou a pena imposta.
Para o relator, o pedido de desclassificação da conduta ligada ao uso da PRF não foi apresentado nas alegações finais e, portanto, consiste em uma inovação recursal na tentativa de alterar o resultado do julgamento. O ministro salientou que as teses defensivas foram devidamente examinadas e que a fundamentação da condenação foi clara e completa, baseando-se em ampla prova dos autos. Quanto à pena, o ministro disse que foi fixada de acordo com os parâmetros legais, considerando a gravidade dos crimes e a atuação de Torres em cargos de alto escalão.
Alexandre Ramagem
O deputado federal e ex-diretor da Abin argumentou que o crime de integrar organização criminosa seria de natureza permanente e se estenderia para além de sua diplomação como deputado federal. Isso ampliaria a abrangência da imunidade parlamentar e a suspensão da ação penal. Também alegou que os documentos apontados como insumos para a difusão de mensagens contra as urnas eletrônicas seriam meras anotações pessoais, não compartilhadas, e que reproduziam declarações públicas do então presidente da República. Questionou, ainda, a dosimetria da pena e a perda do cargo público, afirmando que sua participação foi de menor importância.
O relator destacou que a suspensão da ação penal pela Câmara dos Deputados (Resolução 18/2025) se aplica apenas a crimes cometidos após a diplomação e não se estende a delitos anteriores. Sobre a autoria e materialidade dos documentos internos, disse que mensagens e depoimentos demonstram a atuação de Ramagem na estruturação de narrativas golpistas e no uso ilícito de sistemas da Abin. Em relação ao tamanho da pena, afirmou que o cálculo foi feito com base na gravidade das condutas. O relator assinalou ainda que, no caso de pena superior a 120 dias a ser cumprida em regime fechado, como no caso, a condenação acarretará a perda do mandato, independentemente de deliberação do órgão legislativo do qual o réu faz parte.
Fonte: STF