Em agosto de 2022, enquanto Tite ainda comandava a seleção brasileira, Samir Xaud foi intimado em um procedimento movido pelo Tribunal de Contas do Estado de Roraima (TCE-RR). O caso evoluiu e se transformou em uma ação de improbidade administrativa no Tribunal de Justiça local (TJ-RR). Como o processo ainda está em andamento, a situação coloca sob dúvida a conduta do novo presidente da CBF — candidato único na eleição deste domingo (25).
A incerteza surge a partir da denúncia do Ministério Público de Roraima (MP-RR) e do fato de que a ação ainda não teve qualquer conclusão. A acusação envolve um suposto dano ao erário público (prejuízo ao patrimônio do Estado) estimado em R$ 1,38 milhão. Os documentos judiciais, no entanto, ajudam a esclarecer por que Samir, que também é suplente de deputado federal pelo MDB, foi incluído na lista de réus.
Alçado ao topo da hierarquia da CBF, o médico ocupava o cargo de diretor-geral do Hospital Geral de Roraima (HGR) em 2018. Ele divide a condição de réu com outras seis pessoas, já que as investigações não se limitam a apenas uma unidade hospitalar da rede estadual. Esse é um dos principais elementos que vieram à tona durante a semana que marcou a ascensão meteórica de Samir à presidência da CBF, após sua eleição à frente da Federação Roraimense de Futebol. O contexto serviu para que ele sentisse o peso do novo cargo e o nível de fiscalização e cobrança que enfrentará à frente da entidade. Seu mandato, que começa hoje, segue até 2029.
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O UOL teve acesso a documentos que detalham os motivos pelos quais Samir está envolvido no processo. Sua defesa afirma sua inocência.
O MP-RR abriu um inquérito em 2022 para apurar uma possível lesão ao erário público, envolvendo servidores da Secretaria Estadual de Saúde de Roraima. A investigação focou na relação contratual entre a pasta e a Cooperativa Brasileira de Serviços Múltiplos de Saúde (Coopebras), com o objetivo de verificar os plantões médicos pagos por meio desse acordo. Segundo a denúncia, houve pagamentos por plantões, exames e cirurgias “sem qualquer respaldo legal ou contratual”. Ou seja, serviços médicos eram incluídos na lista de pagamentos da Secretaria de Saúde sem previsão no contrato. O documento também menciona casos de aluguel de salas e equipamentos médicos.
Um trecho da investigação citado pelo MP no processo aponta “ausência de critérios técnicos na definição dos valores pagos”. O caso ganhou força após um relatório de 2021 levantar outra questão: os procedimentos teriam realmente sido realizados? Daí surgiu a suspeita de dano aos cofres públicos.
A inspeção identificou “29 médicos vinculados à Coopebras que receberam remuneração por procedimentos não autorizados por lei”. Para os órgãos de controle do estado, apenas duas formas de pagamento eram permitidas: plantões de 12 horas e carga horária fixa. Qualquer valor fora disso violaria o contrato. Como houve pagamentos por exames, por exemplo, o problema se configurou. Segundo o MP, o “desvio de finalidade não era a irregularidade mais grave”. Havia uma desconexão entre as informações e os procedimentos cobrados, que deveriam estar alinhados — mas não estavam.
Enquanto a Secretaria de Saúde usava o número de atendimentos registrados para calcular os plantões a serem pagos, os médicos da Coopebras apresentavam sua própria produção mensal, fora do regime de plantão. Em vez de pagamentos por jornadas de 6h ou 12h, os valores eram fixados por procedimentos individuais, o que, em tese, teria ampliado o prejuízo ao erário. A auditoria encontrou discrepâncias entre os números informados pelos médicos e os repassados pela Secretaria de Saúde. Ou seja, há duas linhas de irregularidades: serviços realizados fora do contrato e outros sem comprovação.
O MP direcionou as acusações principalmente a duas pessoas: Vanusa Lopes da Silva (fiscal do contrato) e Elinalda da Silva Oliveira (gestora). O órgão afirma que elas tinham o dever de “garantir o cumprimento fiel” do acordo. O promotor do caso alega que ambas “admitem omissão dolosa em suas obrigações de fiscalização”. O documento também as acusa de fraudar atestados, faturas e notas fiscais.
A defesa de Vanusa e Elinalda argumenta que os “documentos usados como supostas provas nunca passaram pelas mãos da gestora e da fiscal”. O advogado delas afirmou que “seria impossível suspeitar de supostos atos ilícitos”, destacando que a fiscalização dependia de diretores responsáveis pelos relatórios de plantões.
O MP incluiu na denúncia outros membros da administração do hospital e de outras unidades de saúde, como Domingos Sávio Matos Dantas, diretor clínico do HGR. A tese do Ministério Público é que, além de falhar na verificação do contrato, esses gestores atuaram para viabilizar os pagamentos aos médicos. “Tais pagamentos foram feitos com base em solicitações de gestores das unidades de saúde”, destacou o MP. Como os documentos eram assinados, os responsáveis pelas requisições passaram a ser cobrados. Por isso, Samir Xaud e outros diretores foram considerados “corresponsáveis”.
O MP sustenta que essas figuras administrativas facilitaram o suposto enriquecimento ilícito da Coopebras. “Como diretor-geral do HGR, cabia a Samir agir com zelo no cumprimento de suas atribuições”, diz um trecho da inspeção usado no processo.
No processo, nem todas as partes foram formalmente citadas, e Samir ainda não apresentou defesa oficial. Informalmente, sua equipe alega que ele não era responsável pela gestão do contrato. Em nota, seus advogados afirmam que “não há qualquer indício de irregularidade, pública ou privada, na conduta de Samir Xaud. Isso será demonstrado no momento oportuno, após a citação de todas as partes”.
A defesa do novo presidente da CBF também ressalta que “no Tribunal de Contas do Estado, todas as certidões negativas comprovam a ausência de pendências ou restrições. Samir Xaud está plenamente habilitado, com idoneidade comprovada e sem qualquer irregularidade em sua atuação como gestor público”.
Com informações do portal UOL.