A Polícia Federal (PF) indiciou, nessa quarta-feira (20), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu filho, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), por tentativa de interferência no julgamento da trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF). O pastor Silas Malafaia, embora não indiciado, foi alvo de busca e apreensão, com celular e passaporte confiscados, devido a fortes indícios de participação em atividades criminosas coordenadas com os Bolsonaro.
A investigação revelou mensagens e áudios recuperados de celulares, incluindo conteúdos apagados, que, segundo a PF, demonstram tentativas de coagir ministros do STF e, mais recentemente, parlamentares, para garantir a impunidade de Jair Bolsonaro na ação penal que o acusa de tentativa de golpe de Estado. O ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo caso, apontou que “a continuidade das investigações demonstrou fortes indícios de participação de Silas Malafaia na empreitada criminosa, de maneira dolosa e com unidade de desígnios com Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro”. Moraes destacou ainda o papel de liderança do pastor: “Há fortes evidências, ainda, que Silas Malafaia atua na construção de uma campanha criminosa orquestrada, destinada à criação, produção e divulgação de ataques a ministros do Supremo, no contexto de milícias digitais, em conduta absolutamente assemelhada àquelas investigadas no inquérito 4.874, conforme mensagem anteriormente descrita.”
A PF constatou que Jair Bolsonaro desrespeitou intencionalmente medidas cautelares impostas pelo STF. Após a apreensão de seu celular em 18 de julho, quando Moraes determinou restrições, Bolsonaro ativou um novo aparelho no dia 25. Dados restaurados desse dispositivo, confiscado no início de agosto, revelaram intensa atividade de produção e propagação de mensagens em redes sociais, prática proibida pelas medidas.
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A investigação identificou quatro listas de transmissão no WhatsApp de Bolsonaro, nomeadas “Deputados”, “Senadores”, “Outros” e “Outros 2”, usadas para enviar conteúdos a múltiplos contatos simultaneamente. Em 3 de agosto, durante manifestações, Bolsonaro orientou um deputado federal da Bahia a realizar uma ligação de vídeo com ele, evidenciando, segundo a PF, um “modus operandi de utilização de terceiros para burlar a medida cautelar”.
Entre os conteúdos recuperados, destaca-se um rascunho de pedido de asilo político à Argentina, dirigido ao presidente Javier Milei. No texto, Bolsonaro escreveu: “De início, devo dizer que sou, em meu país de origem, perseguido por motivos e por delitos essencialmente políticos. No âmbito de tal perseguição, recentemente, fui alvo de diversas medidas cautelares”. A defesa do ex-presidente afirmou que o pedido foi uma “sugestão” recebida em fevereiro de 2024, mas descartada.
Mensagens de Eduardo Bolsonaro ao pai indicam que a proposta de anistia defendida pelo deputado visava apenas a impunidade de Jair Bolsonaro, não os condenados pelos atos de 8 de janeiro. Em uma delas, Eduardo menciona uma “anistia light” e alerta: “Se a anistia light passar, a última ajuda vinda dos Estados Unidos terá sido o post do Trump. Eles não irão mais ajudar (…) temos que decidir entre ajudar o Brasil, brecar o STF e resgatar a democracia ou enviar o pessoal que esteve num protesto que evoluiu para uma baderna para casa num semiaberto. (…) neste cenário você não teria mais amparo dos EUA, o que conseguimos a duras penas aqui, bem como estaria igualmente condenado final de agosto”. Em 10 de julho, Eduardo sugeriu agradecer publicamente ao ex-presidente Donald Trump por medidas contra o Brasil, como o tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros, anunciado no dia anterior. Ele escreveu: “Opinião pública vai entender e você tem tempo para reverter se for o caso. Você não vai ter tempo de reverter se o cara daqui virar as costas para você”.
A PF também identificou mensagens de Eduardo afirmando que a aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes estava “muito muito próxima” em 15 de julho. Duas semanas depois, os EUA impuseram restrições financeiras ao magistrado.
Bolsonaro manteve contato com Martin de Luca, advogado da plataforma Rumble e da Trump Media & Technology Group (TMTG), ligada a Donald Trump. A PF encontrou registros de um número de Nova York associado a De Luca, que enviou documentos a Bolsonaro sobre ações da Rumble contra Moraes. As mensagens mostram coordenação para ajustar narrativas contra o STF, incluindo uma nota pública sugerida por De Luca, na qual Bolsonaro agradeceria Trump e associaria sua situação a uma “perseguição política”.
Silas Malafaia incentivou Bolsonaro a descumprir medidas cautelares, pedindo o disparo de vídeos com chamadas para compartilhamento e a mobilização de deputados em apoio a manifestações pró-anistia. Em resposta às ações da PF, Malafaia atacou Moraes, declarando: “Vai ter que me prender para me calar”. Mensagens do pastor a Bolsonaro o chamam de “babaca”, “inexperiente” e “idiota”. Em uma delas, enviada às 18h55 do dia 11 de julho, Malafaia afirma: “DESCULPA PRESIDENTE ! Esse seu filho Eduardo é um babaca , inexperiente que está dando a Lula e a esquerda o discurso nacionalista , e ao mesmo tempo te ferrando . Um estúpido de marca maior . ESTOU INDIGNADO ! Só não faço um vídeo e arrebento com ele porque por consideração a você . Nao sei se vou ter paciência te ficar calado se esse idiota falar mas alguma asneira.” O pastor também elogiou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) por sua articulação em defesa da anistia e disse que deu “um esporro” em Eduardo por “falar merda”.
Mensagens citadas no relatório mostram atritos entre Eduardo e Jair Bolsonaro. Após uma entrevista do ex-presidente sobre o conflito de Eduardo com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), o deputado xingou o pai: “VTNC SEU INGRATO DO CARALHO!” e continuou: “Se o IMATURO do seu filho de 40 anos não puder encontrar com os caras aqui, PORQUE VC ME JOGA PRA BAIXO, quem vai se fuder é vc E VAI DECRETAR O RESTO DA MINHA VIDA NESTA PORRA AQUI!” Em resposta ao indiciamento, Eduardo criticou a PF, classificando a investigação como “conversas normais entre pai, filho e seus aliados”.
A PF identificou que o ex-ministro Walter Souza Braga Netto descumpriu proibição judicial ao contatar Bolsonaro via SMS em 9 de fevereiro de 2024, com a mensagem: “Estou com este número pré-pago para qualquer emergência. Não tem zap. Somente face time. Abs Braga Netto”. Há também indícios de que Eduardo usou a conta bancária de sua esposa, Heloísa, para ocultar recursos recebidos por Jair Bolsonaro, evitando possíveis bloqueios. Processo semelhante teria sido adotado por Bolsonaro com sua esposa, Michelle.
Com informações do portal g1.