A Câmara dos Deputados retomou, neste segundo semestre, a agenda da reforma administrativa, inicialmente proposta pelo governo anterior por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32 de 2020. Com uma audiência pública marcada para 3 de setembro no plenário, o debate reacende temores entre servidores públicos, que apontam possíveis retrocessos, especialmente com o aumento de contratações temporárias. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), criou um grupo de trabalho coordenado pelo deputado Pedro Paulo (MDB-RJ), que ainda não apresentou os dois projetos de lei e a nova PEC que comporão a reforma, mas estima-se que os textos sejam divulgados na próxima semana.
O tema divide opiniões. De um lado, setores defendem a redução de gastos e “mais eficiência” no funcionalismo público; de outro, servidores e movimentos sociais alertam para fragilizações no serviço público. O diretor do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes), Diego Marques, criticou a previsão de um cadastro nacional para contratações temporárias, que, segundo ele, ameaça a estabilidade dos servidores. “Mesmo que não exista um dispositivo dentro da legislação que viole a estabilidade dos servidores públicos que estão na ativa, na prática, a tendência é que amplas áreas de serviço público não tenham mais concurso com estabilidade”, afirmou. Ele explicou que a regulamentação de contratos temporários via Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) pode levar ao fim “indireto” da estabilidade, substituindo servidores concursados por empregados temporários “por meio de uma naturalização, como figura de gestão do Estado dos contratos temporários através desse cadastro”.
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Marques também destacou a falta de diálogo com entidades representativas. “Não há diálogo. O deputado ouviu representantes, não apenas do Congresso, mas de entidades patronais para pensar a reforma. Porém, não houve interlocução com as entidades de servidores públicos”, concluiu. A estabilidade no serviço público, que impede demissões sem causa fundamentada e processo administrativo com ampla defesa, é considerada essencial para evitar interferências políticas e pressões indevidas.
Embora o texto final da reforma ainda não tenha sido apresentado, o relator Pedro Paulo tem adiantado algumas das 70 medidas previstas em entrevistas. Entre elas, estão o combate aos supersalários, a limitação do trabalho remoto a um dia por semana, a redução das férias anuais a 30 dias (atualmente, juízes têm 60 dias) e o fim da aposentadoria compulsória para magistrados expulsos por irregularidades. Outras propostas incluem regras nacionais para avaliação de desempenho, metas de produtividade com pagamento de bônus por resultados, critérios mais rígidos para o estágio probatório, padronização de concursos com vagas do Concurso Nacional Unificado (CNU) válidas para estados e municípios, além de carreiras com pelo menos 20 níveis e salário inicial limitado a cerca de metade do valor recebido no final da carreira. “A Reforma Administrativa vem para cortar privilégios e modernizar o Estado, com foco em mérito e eficiência”, justificou Pedro Paulo em uma rede social.
O presidente da Câmara, Hugo Motta, reforçou a urgência da reforma. “O Brasil precisa de coragem para enfrentar suas verdades. E uma delas é inescapável: o Estado brasileiro não está funcionando na velocidade da sociedade. A cada dia, a vida real cobra mais do que a máquina pública consegue entregar. E quando o Estado falha, é o cidadão quem paga a conta”, declarou em uma rede social nesta segunda-feira (25). Apesar da busca por comentários, a Agência Brasil não obteve retorno do deputado Pedro Paulo até o fechamento desta matéria.
Diego Marques, da Andes, alertou que o relator destaca medidas de maior aceitação social, como o combate aos supersalários, para conquistar apoio público, mas omite aspectos controversos. “Elas visam ganhar apoio da sociedade sem fazer o debate de todos os outros fenômenos discutidos na reforma. Hoje, na verdade, menos de 0,23% dos servidores ganha os supersalários que estão concentrados, sobretudo, na magistratura”, assegurou. Ele criticou a proposta de avaliação unificada de desempenho, que “ignora as peculiaridades de cada autarquia e vai submeter os servidores a critérios produtivistas que precarizam o serviço prestado para a população”. Marques também questionou o bônus por produtividade, que, segundo ele, “vai achatar a massa salarial do funcionalismo público e piorar a qualidade do serviço em detrimento de critérios quantitativos”. Ele exemplificou: “A maioria absoluta dos servidores ganha menos do que 10 salários mínimos. Converter uma parte da remuneração dos servidores em bônus de resultado, na prática, vai tornar o atendimento à população mais precário. As fiscalizações ambientais, por exemplo, serão mais precárias para atender critérios quantitativos”.
O relator Pedro Paulo nega que a reforma retire direitos ou acabe com a estabilidade dos servidores, mas entidades como o Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe) e a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (CondSef) afirmam que diversos princípios da PEC 32 persistem no grupo de trabalho atual. Em resposta, os servidores planejam uma agenda de mobilização em Brasília e nos estados nas próximas semanas contra a reforma administrativa.
Fonte: Agência Brasil