O ex-senador Ney Suassuna (Republicanos-PB) e uma funcionária de cartório foram denunciados pelo Ministério Público por falsificação de documento público, em um caso que envolve cinco documentos – quatro procurações e um contrato – supostamente assinados por Raquel Otila, ex-esposa de Suassuna. A denúncia, rejeitada pela Justiça na última semana por falta de provas, é parte de uma série de escândalos envolvendo fraudes em cartórios do Rio de Janeiro, que incluem desvios, documentos falsos e venda irregular de bens.
“É mais do que traição. É se sentir usado, se sentir manipulado. É uma sensação horrível de impotência mesmo”, declarou Raquel Otila, que mora em Portugal e nega ter assinado os documentos, comprovando à Polícia Civil, com um documento da Polícia Federal, que não estava no Brasil entre maio de 2020 e novembro de 2021, datas das assinaturas.
A investigação contra o cartório, conduzida pela Corregedoria Geral da Justiça, apura possíveis falhas gerenciais da tabeliã Fernanda Leitão, do 15º Ofício de Notas. Paulo Camargo, consultor de compliance do cartório, defendeu: “É impossível exigir que a tabeliã seja onipresente, esteja ao lado de todos os funcionários 24 horas por dia enquanto eles praticam os seus atos. Se assim o fosse, não teria razão de ser dela ter funcionários.”
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Ney Suassuna negou as acusações em depoimento à polícia e afirmou que pretende processar Raquel por denunciação caluniosa, mas não quis gravar entrevista. O Ministério Público ainda não foi notificado da rejeição da denúncia e pode recorrer.
Além do caso Suassuna, outras fraudes envolvendo cartórios do Rio ganharam destaque. No cemitério São João Batista, Maria Ana Neves descobriu, há 20 anos, que a sepultura de sua família estava vazia, com os restos mortais de sua irmã e pais desaparecidos. “Entrei em pânico. Foi aí que comecei a tentar entender o que estava acontecendo e pesquisar sobre esse assunto”, relatou. A sepultura foi vendida por R$ 60 mil com uma procuração falsa, cuja assinatura, comprovada como falsificada pela Polícia Civil, foi reconhecida pelo 16º Ofício de Notas.
“Eu entendi porque esvaziaram o meu jazigo. Era pra vender. Pro meu espanto, me aparece uma procuração com uma assinatura completamente diferente da minha”, afirmou Maria Ana. A tabeliã Olívia Motta Scisinio foi punida com 30 dias de afastamento, pena substituída por multa após recurso. Na última sexta-feira, a Justiça cancelou a procuração e devolveu o jazigo à família, mas Maria Ana lamenta: “Até hoje eu não sei onde foram parar os restos mortais da minha família. Eu acho que eles foram para um ossário público, foram incinerados ou foram para o lixo mesmo.”
Outro caso envolve Alcebíades Paes Garcia, o Bid, assassinado em 2020. O 12º e o 15º Ofícios de Notas reconheceram sua firma, respectivamente, quatro e nove vezes após sua morte, permitindo a venda de uma moto aquática com documentos falsos. “Quando recai dúvida sobre a autenticação de uma assinatura, o que está em risco é a segurança de todos os negócios jurídicos que são celebrados na sociedade”, afirmou o delegado Marcos Buss.
Os tabeliães Pedro Castilho e Fernanda Leitão foram suspensos por negligência, mas a pena de Castilho está suspensa por liminar do STJ. Camargo, do 15º Ofício, destacou: “Não importa as camadas de segurança que a gente implementa, não importa os níveis de mecanismos que a gente implementa para tentar evitar fraude. Eu sempre vou contar com a falha humana e com a ação criminosa.”
No caso do precatório, uma idosa de 82 anos descobriu, durante a pandemia, que R$ 1 milhão de um precatório foi desviado por uma procuração falsificada, reconhecida pelo 15º Ofício. “Depois de tantos anos batalhando por uma coisa, realmente é revoltante”, disse seu filho, que preferiu anonimato.
A advogada Laís Vale, investigada após o dinheiro ser transferido para sua conta, alega inocência: “Eu não tinha conhecimento que essa procuração era falsa, com assinatura falsa. Ele me pediu pra eu receber o dinheiro e deixar na minha conta a parte dele. Eu acreditava que era de honorários da parte do Daniel. Em nenhum momento eu fiquei com dinheiro da idosa. Vou à delegacia, vou prestar meu esclarecimento. Vou falar o que tiver que falar.” Daniel Solis, acusado por Laís, ainda não depôs.
A Corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio puniu a tabeliã Fernanda Leitão com 75 dias de afastamento após selos de seu cartório serem encontrados em uma loja investigada por vender carros roubados. “Hoje o 15º Ofício de Notas é um dos maiores cartórios de notas do Brasil.
A gente acumula, nos últimos cinco anos, praticamente seis milhões de atos. Temos menos de 0,01% de atos questionados. E, dentre esses, estão inseridos esses quatro casos”, afirmou Camargo, destacando melhorias como autenticação de dois fatores. A Corregedoria publicou novas regras exigindo fotos ou impressões digitais na abertura de firma e gravação de atos notariais. O Colégio Notarial do Brasil defendeu a integração de bases de dados para reforçar a segurança jurídica.
A OAB-RJ abriu processo ético-disciplinar contra Laís Vale e apurará os fatos envolvendo Daniel Solis. As vítimas, como a filha da idosa do precatório, cobram justiça: “Acho que a gente tem uma luta aí pela frente. Eu não quero que isso fique impune de jeito nenhum. De jeito nenhum.” Raquel Otila reforçou: “Tudo isso está na Justiça, está sendo investigado. E eu espero que a verdade apareça, só isso.”
Com informações do Fantástico.