Jornalista, internacionalista e empreendedora.
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A crise de 29 ou a grande depressão
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(Foto: Reprodução/Instagram/bentocakerio)

Já começo pedindo perdão pelo título dúbio, porém inevitável. A coluna deste mês poderia, sim, ser sobre Economia ou História, mas é, na verdade, sobre a incidência do tempo em uma jovem senhora que viu-se, de repente – ainda que tenha levado três décadas para acontecer, à beira dos 30 anos. Ela sou eu. Uma bela capricorniana que aniversaria neste domingo (16), mas que está reunindo os cacos de uma crise causada pelo peso de um número e de um conceito de sucesso absolutamente cruel e relativo.

O fim da era dos 29 anos me pegou em completa amargura. Abandonar a carreira formal dentro do Jornalismo, profissão que escolhi desde que tenho lembrança da minha existência, não foi tarefa fácil. Especialmente, para alguém que vê sua identidade atrelada ao trabalho, como eu. Vender o que tinha para começar um novo projeto profissional e abrir mão da independência financeira conquistada muito cedo não foi menos difícil.

Quando me dei conta, me vi como um fracasso. Como se os 30 anos fossem um deadline para que eu já tivesse encaminhado uma carreira “de sucesso”, um casamento “de sucesso” e, quem sabe, uma maternidade “de sucesso”. Enxerguei-me velha e com um prazo de validade mais curto. A imagem no espelho nunca me desagradou tanto e as linhas de expressão mais evidentes clamam por um botox que a fase financeira não pode providenciar. E escrevendo isso agora, graças a Deus, tudo isso me soa estúpido. Mas não posso negar, aconteceu, e me machucou.

São ideologias do feminino que ainda (!) têm poder sobre nossa mente. Para que a percepção de valor sobre uma mulher seja alimentada, afinal, a definição de sucesso norteia-se por padrões rígidos, que passam por um conceito de carreira brilhante, plenamente equilibrada com uma rotina de vida saudável, um casamento com a chama sempre acesa, uma casa sempre limpa e organizada e filhos educados. Tudo enquanto é jovem e não perde um dia de treino no Beach Tênis.

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Cada um desses conceitos é problematizável em níveis profundos, mas não vou me ater a eles, por agora. Passada a minha crise, que durou bem mais do que eu gostaria, me dei conta de que o meu medo de uma “velhice” é reflexo de quão arraigada estou dos paradigmas que sustentam a sociedade como ela é. Em “O Mito da Beleza”, Naomi Wolf diz que o envelhecimento da mulher é “feio” porque as mulheres, com o passar do tempo, adquirem poder “e os elos entre gerações de mulheres devem ser sempre rompidos. (…) nossa identidade deve ter como base nossa “beleza”, de tal forma que permaneçamos vulneráveis à aprovação externa, trazendo nossa autoestima, esse órgão sensível e vital, exposto a todos.”

Enquanto a mulher jovem temer e/ou rechaçar a mulher velha e o poder que ela representa, o mito da beleza, que gira em torno das instituições masculinas e do poder institucional dos homens, cumprirá com parte da sua longa cartilha.

Em meio à aflição do insucesso criado na minha mente sob os grilhões do sistema que eu mesma combato, eis que, à procura de um bolo para o meu aniversário, me deparo com um que tinha escrito: “Foi difícil chegar até aqui mesmo não chegando a lugar nenhum”. Ri e achei que seria o bolo perfeito, até que me questionei sobre a veracidade da frase.

Por mais bobo que seja, foi assim que virei a chave e consegui me abraçar. “Não cheguei a lugar nenhum?”, pensei e logo repreendi a mim mesma por sequer cogitar uma resposta afirmativa a essa pergunta. A verdade é que cheguei longe demais, após atravessar 6 anos de assédio moral ininterrupto, seguidos por episódios de assédio sexual, crimes de importunação sexual e invasão de privacidade, além de uma série de tramoias com as quais tive que lidar diariamente. Sem esquecer do relacionamento tóxico e abusivo, do qual consegui sair após 10 anos, e de perdas sensíveis, de gente e de bicho. Tive a coragem de sair de todos os lugares (concretos e abstratos) que não me cabiam e me traziam sofrimento, me reinventei para abrir um negócio e fiz tudo isso mantendo, acima de tudo, a integridade, e um mínimo de saúde mental. Eu ainda ouso pensar que não cheguei a lugar nenhum?

Eu cheguei sim! Me custou muito. Mas eu tenho orgulho dessa mulher de 30 anos. E admitir isso para mim e para o mundo (estamos na rede mundial de computadores, afinal) é libertador. Portanto, eu convido você a fazer também esse exercício. Tem certeza que você não chegou a lugar nenhum? Qual está sendo a sua régua? A que incutiram a vida toda na sua cabeça? Na nossa. Se for, passou da hora de usarmos a nossa própria medida para enxergarmos as nossas conquistas e, claro, as nossas derrotas também.

Heráclito dizia: “Nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois na segunda vez o rio já não é o mesmo, nem tão pouco o homem!”. A mudança, afinal, é o estado natural das coisas. Dos seres viventes e dos inanimados. Mesmo uma pedra sofre os efeitos da chuva e do vento.

Os processos conturbados que vivi nos anos que se aproximaram dos meus 30 me fizeram sentir que perdi um pouco de mim, mas me dei conta de que ver tudo mudar é difícil mesmo. Porém, resistir à minha própria mudança e às mudanças a minha volta é o pior dos erros. Lembra? É o estado natural das coisas. Não adianta lutar contra isso.

Mas a gente se apega. A quem éramos, ao que tínhamos, ao que vivíamos, ao que consideramos ser o ideal, ao que nos fizeram pensar ser o ideal. Quanto tudo mudou, só a gente esqueceu de mudar. De aceitar mudar, porque a mudança é imperativa. Você resiste mais ou menos, sofre mais ou menos, se alegra mais ou menos com ela.

Resolvi fazer da transformação de tudo à minha volta, a minha transformação. E ela é dolorosa mesmo! Precisa ser. CRESCER DÓI. A borboleta faz uma força danada para romper o casulo. E precisa fazê-lo sozinha. Qualquer “ajuda” externa a matará porque ela não está pronta. A analogia é clichê, mas é real.

Pois bem, chegados os outrora temidos 30 anos, quero voar. Preciso voar. E não se voa em linha reta, nem na mesma direção sempre. A gente muda a rota e a rota muda a gente.

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