Graduado em Letras e Direito e mestre em Organizações Aprendentes pela UFPB
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Governar e fazer política requer estar em movimento
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(Foto: Felipe Gesteira)

O último quadriênio do ano de 2023 já está entre nós. Nosso inverno de razoáveis de chuvas se vai e a marca dos ipês amarelos e roxos, que se sobressaem na Lagoa, em algumas alamedas da cidade e em resquícios da mata atlântica, nos faz lembrar que o mundo gira em torno de quatro estações, mas que nossos sentidos somente percebem duas: um pequeno período de chuvas e um grande tempo de sol. Aqui, no nordeste setentrional brasileiro, parece que somente sentimos tempos quentes e úmidos. O sol prensa nossos olhos que espirram lágrimas mornas e nem a visão privilegiada das onças nas caatingas deixa de se embaçar. Quase não entendemos o que são as estações do ano mesmo que ensinadas. Parece que somente temos uma: verão. Em nossa terra, Vivaldi teria dificuldade para musicar as quatro estações. Daí, quem sabe, a dificuldade de se fazer arte, porque a arte retrata a realidade, muitas vezes antecipando-a.

E como a arte, o fazer política não é tarefa fácil. Ainda mais quando se governa a partir de composição de forças partidárias heterogêneas. Por isso, os fazeres da política e do governar exigem mais que uma visão de vida marcada pela temporalidade como se fosse estática. Ou por números parametrizados em medianas x, y, z. Esta tarefa requer uma noção do mundo que veja o tempo em movimento, em modo contínuo, sem a busca da eternidade.

Botar a política no campo da ciência, esquadrinhando-a, levantando hipóteses, estudando resultados eleitorais, comparando-os como se fossem laranjas e maçãs. E entre laranjas e seus tipos e subtipos, amiudando-os; quando muito apontam apenas linhas de tendência. Mostram poucas soluções.

Moer números e suas frações não os transformam em caldo de cana. E os números não confessarão nada se colocados em paus de arara. Teorias, métodos e conceitos de uma tradição do conhecimento que já se vão pra lá de mais de quatrocentos anos não são suficientes para revelar o fazer política colado ao modo de governar nas realidades contemporâneas cada vez mais multipolarizadas.

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Talvez por isso que continuamos sem saber o porquê do mundo se encontrar apartado em dois lados opostos: o primeiro, que se agarra na tradição de quatro séculos, entre liberais, neoliberais e progressistas de todos os naipes, encastelados numa espécie de superioridade moral da razão, modernista, como o ciclista que não para na faixa de pedestre; e, o segundo, que se agarra à tradição que antecedeu aos tempos dessa mesma razão, como seguidores cegos de profetas que falam o que não fazem.

Afinal, o que explica a mal querência com os outros, com os diferentes e com os comuns, mesmo entre os que se dizem tolerantes? Estamos desarrazoadamente atolados no mundo da razão e embevecidos pelo espelho que, como todo espelho, desespera o seu sujeito, tornando-o objeto de si mesmo. Num mundo onde o privilégio do Eu se exacerba, o narcisismo nos tem falado mais alto, contagiando líderes de todas as bandas.

É no paul desses valores, crenças, mundos, experiências de vida etc. que vou atrevidamente conversar sobre a situação atual em que se acha o momento das forças políticas na Paraíba, desejando apenas a possibilidade de convivência em um ambiente de troca como uma boca que se abre para a fala. As bocas são como encruzilhadas que revelam dúvidas e incertezas, abaixando as ilusões dos superpoderes, ao mesmo tempo em que possibilita a clarividência das nossas potências humanas. Pois os pontos de encontro de mercadores fizeram as feiras livres. As cinco bocas de bairros populares pelo Brasil afora são entrecruzamentos que vão além de semáforos. As cinco bocas do bairro de Mandacaru na Capital paraibana são radiadas pela PH, pela feira do bairro dos Estados, pela policlínica do SUS e por um conjunto de pequenos serviços, comércios e negócios.

É nessa conversa, prosaicamente, que afirmo existir na Paraíba um cenário político muito conservador ao longo de sua história. Nuances para o balanço entre lados governistas e oposicionistas apenas vão confirmar essa afirmação, sem a necessidade de maior esforço cognitivo. Não há sequer sombra de novidades. Tal conservadorismo somente foi tisnado nos primeiros anos deste século, quando as forças políticas progressistas, aproveitando cismas conservadores, conseguiram chegar ao governo da principal cidade da Paraíba, por lá ficando 16 anos (2005 a 2020). E o mesmo está se dando no governo estadual desde 2010. Dezesseis anos ininterruptos no comando dos dois maiores orçamentos públicos do estado não é pouca coisa, especialmente numa tradição política marcada pela coexistência de grupos políticos tidos como sendo dos cordões azul e encarnado.

Esse fenômeno – progressistas no governo neste início de século – foi percebido pelas jovens lideranças políticas lastreadas na tradição secular da política paraibana. Todavia tais lideranças são jovens conectados às novas tecnologias; refletem modelos intuitivos do século XXI, inclusive corporais; absorvem traços das políticas identitárias, de proteção animal e meio ambiente; fazem política entrincheirados nas novas regras partidárias, eleitorais e orçamentárias; sabem jogar com diversas situações de governos; exercem suas atividades de natureza política entrelaçadas com as atividades de natureza pessoal, fazendo uma “inovadora” convergência da confusão do público com o privado, quase imperceptível, trabalhando o tempo das atividades políticas como tática para, estrategicamente, ampliar seu tempo nas atividades fora do campo da política. Estão no modo avião, esperando a aeronave aterrissar.

Mais claramente, a possibilidade das forças políticas, identificadas com a tradição secular, de voltar ao comando do principal orçamento público da Paraíba é promissora. Dessa maneira, o atual governo estadual, entendendo-o como progressista porque o é na realidade da política paraibana, terá como desafio a capacidade de negociar sua sucessão onde possa manter aquilo que chamamos de políticas progressistas, a fim de não interromper por completo referido ciclo.

Nesse sentido, as sucessões municipais passam a ter uma importância relevante para essa busca, especialmente nas principais regiões paraibanas. Agir regionalmente talvez ajude ao esboço para fins de desenhos de chapas nas cidades que poderão gerar reflexos mais adiante. Na vida nenhuma ação está garantida, mas não existem partituras sem notas nem pinturas sem tintas.

Assim, a continuidade de valores mais progressistas na política paraibana passa muito pelas mãos das forças que governam a Paraíba. Quem sabe não haja a possibilidade de uma composição mais tradicional lá na frente que dialogue com outra mais progressista nas eleições do ano vindouro. Para isso, movimentos regionalizados podem ser coordenados por quem governa a Paraíba porque este tem como ofertar instrumento, modo e palavra aos seus pares. Atributos imprescindíveis na prática política. Tais movimentos podem ser materializados em ações políticas de corte estrito combinadas com práticas institucionais e execução conjunta de políticas públicas diversas.

No jogo dos governos, quando não se busca incessantemente “hegemonismos” sempre há espaço para negociação, abrindo-se ambientes criativos que aproximam o fazer política mais da arte e menos da força bruta. Para tanto, se faz necessário pensar sem se deixar levar pelo hábito. Eis uma exigência da nossa contemporaneidade para quem ousa pensar a vida como duração e não como eternidade.

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