Graduado em Letras e Direito e mestre em Organizações Aprendentes pela UFPB
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Panorama do primeiro ano do governo Lula
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(Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Chegamos ao fim do primeiro ano do mandato do presidente Lula. E como dizem os entendidos: o poder se esvai nas democracias à medida que os mandatos se aproximam de seu término, assim podemos afirmar que o governo Lula já perdeu um quarto de sua força inicial. Todavia, o sistema eleitoral brasileiro permite a reeleição, o que possibilita a expansão da expectativa de poder para além dos quatro primeiros anos de mandato. Ainda mais se considerarmos que o eleitor quase sempre segue a tendência para fazer uma avaliação plebiscitária sobre o desempenho do titular desse mandato a ser renovado. Portanto, no caso brasileiro, desde que o instituto da reeleição foi incluído em nossa lei eleitoral, na cabeça do eleitor há uma racionalidade de mandato de oito anos com dois tempos, como se fosse um jogo de futebol, daí a grande vantagem de quem já ganhou o primeiro tempo; o que não quer dizer que o jogo não possa ser virado no segundo. Ressaltemos que as reeleições no Brasil desde sua instituição são amplamente confirmadas. Esse arranjo do nosso sistema eleitoral permite boa margem de ação do atual governo federal no sentido de sua manutenção. Como se vê, a regra eleitoral estrutura o resultado das eleições em quaisquer democracias, por isso os concorrentes não podem negligenciá-las; é como se fosse edital de concurso público, precisa ser bem lido e entendido.

Dito isto, passemos agora para fazer uma avaliação geral das condições em que se encontra o atual governo federal: a relação com o Congresso Nacional é de franca minoria, tanto no Senado Federal quanto na Câmara dos Deputados; a relação com o sistema de justiça está estabilizada numa base de valores conservadores, basta ver as indicações para os tribunais superiores e o retorno de Ricardo Lewandoski à cena política como ministro da Justiça; a relação com a mídia tradicional e com as redes digitais é desfavorável para o governo: na primeira, nunca foi favorável e, na segunda, nem o governo, nem seu principal partido de sustentação sabem fazer o uso das mesmas; a sociedade não se encontra mobilizada para a defesa de seus interesses, haja vista seu baixo nível de organização social e de polarização calcada em valores morais e de costumes; a composição do governo se expressa por um leque de partidos que vão para além daqueles que o elegeu, forçando-o a negociações para aquém de suas propostas de campanha; isso tudo, num contexto internacional em que a maior economia do mundo, os Estados Unidos, se encontra ameaçada pela expansão da economia e das relações internacionais da China. Ressalte-se que o governo de Joe Biden faz o enfretamento à China com investimentos sociais e na reindustrialização do país, sem deixar de usar seu poderio militar como estratégia de sua política externa. A agenda social e a reindustrialização nos Estados Unidos reflete algo de novo na sua política interna, pois se contrapõe ao não-programa da extrema direita e se diferencia dos programas dos governos democratas anteriores.

Dadas essas pinceladas da realidade política nacional e internacional, pintando o quadro onde está metido o governo federal, podemos afirmar que o mesmo conseguiu um desempenho positivo, porque esse quadro de dificuldades não o impediu de aprovar uma emenda constitucional que lhe garantisse recursos para o Sistema Único de Saúde – SUS e para o Bolsa Família no ano de 2023, assim como aprovou a primeira parte da reforma tributária, demanda inicial da Nova República. Ademais, a situação econômica do país melhorou em relação aos anos passados: juros em queda; inflação em queda; aumento do emprego; aumento real do salário mínimo; projeção do país internacionalmente; melhoria nos indicadores gerais do meio ambiente; e, apesar das críticas, articulação político-institucional satisfatória.

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Frise-se que o mundo está vivenciando uma mudança de época, não apenas pela vontade dos Estados Unidos em continuar sendo a maior força econômica e militar do mundo, mas também pela ascensão da China que o amedronta, assim como pelo desenvolvimento de outros países de todos os continentes e pelas contradições que vive a Europa. Ainda, podemos acrescentar as mudanças climáticas; as questões migratórias; as questões de novas tecnologias; as questões demográficas e as questões de costumes. E o Brasil está nesse mundo. Tudo isso interfere no modo de vida das pessoas e gera reações contrárias, porque a humanidade tanto pode evoluir quanto pode regredir, daí o ressurgimento de forças políticas eixadas em princípios nazifascistas. Estas têm uma vantagem no desenvolvimento do fazer política, porque elas não precisam de programa, na verdade elas navegam tendo como base um não-programa. As forças de extrema direita são uma reação ao que existe e às mudanças pelas quais o mundo está passando.

Por aqui, no Brasil, a polarização se evidencia muito claramente nas questões de valores e de costumes, deixando para trás as polarizações partidárias e de cunho político social, características das disputas entre o PSDB e o PT, de outros tempos, para se fossilizar em disputas afetivas, onde os dois lados antagonizam em bolhas próprias, evitando o diálogo e propiciando um campo onde pode germinar afetos de intolerância. Perceba-se que não há uma polarização de projetos partidários ou sociais. O que existe é uma polarização de sentimentos e de gostos. Haja vista que essa polarização é singular na medida em que um dos lados, aquele simbolizado pelo lulismo, em nada é sectário ou radical, pois a esquerda brasileira é reformista; ao contrário do bolsonarismo que age para a supressão dos direitos fundamentais. Diante desse contexto, cabe ao presidente Lula buscar consolidar uma prática governamental que insista na construção de pontes entre agentes e forças políticas e sociais diversas para o país ter uma maioria condizente com a tradição democrática e com os marcos civilizatórios.

Por isso, diante do momento histórico no qual estamos metidos, onde o fosso entre seres humanos pode gerar um autoritarismo calcado na intolerância que busca o extermínio do outro; não é pouca coisa, levantar a flâmula da democracia, ter uma agenda de políticas públicas sociais e apostar na reindustrialização. Isso é transformador, especialmente em um país como o nosso que ainda está por se completar, como dizia Celso Furtado.

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