Jornalista, fotógrafo e consultor. Mestre em Computação, Comunicação e Artes pela UFPB. Escreve desde poemas a ensaios sobre política. É editor no Termômetro da Política e autor do livro infantil "O burrinho e a troca dos brinquedos". Twitter: @gesteira.
Jornalista, fotógrafo e consultor. Mestre em Computação, Comunicação e Artes pela UFPB. Escreve desde poemas a ensaios sobre política. É editor no Termômetro da Política e autor do livro infantil "O burrinho e a troca dos brinquedos". Twitter: @gesteira.
Space Jam contra a cultura do estupro
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(Imagem: Divulgação)

Quem jogou mais bola nas quadras, Michael Jordan ou LeBron James? Se a resposta não for tão óbvia para quem acompanha há anos os astros da liga norte-americana de basquete, a NBA, ao menos a indústria do entretenimento promete entregar para os fãs do jogador mais jovem um produto cultural à altura daquele feito para o astro do Chicago Bulls junto aos personagens dos desenhos animados da Warner.

Sim, vai ter um novo Space Jam. E com esta informação não trago nenhuma novidade, pois há muito se fala do filme, que agora será estrelado por LeBron James. Venho neste espaço para problematizar. Apenas noticiar o cancelamento de um personagem que normaliza em seus atos a cultura do estupro é pouco. É preciso também discutir o assunto, complexo demais para caber no factual.

Aquele filme de 1996 mexeu com milhares de crianças da minha geração. A proposta de colocar em cena, jogando pelo mesmo time, o maior astro do basquete de todos os tempos junto com Pernalonga, Patolino e demais personagens do Looney Tunes foi incrível para a época. Posso dizer que mesmo se tratando de um filme mediano, Space Jam: O Jogo do Século é divertido e tem espaço reservado na minha memória afetiva.

Talvez por isso tenha sido grande o susto ao me deparar com a notícia do cancelamento de um personagem para esta nova versão – ou continuação – do filme. Principalmente pelo termo “cancelamento” vir ocupando tanto espaço na mídia.

Sou contra cancelar pessoas. A onda de cancelamentos na internet, que já vinha tomando corpo e foi impulsionada no Brasil nesta última edição do BBB, é bastante complexa. Na maioria das vezes, junto ao cancelamento vem um linchamento virtual que resulta em prejuízo incalculável à reputação. Não é o caso de passar pano sobre os erros, mas se ninguém cancela os canceladores, entramos numa onda de caça às bruxas onde todos os erros tornam-se imperdoáveis. Quem erra deve pagar por seus erros e assumir os prejuízos. Cancelemos os atos, não as pessoas.

Mas no caso do personagem de fato cancelado do novo Space Jam, ali sim foi mais do que merecido.

O gambá Pepe Le Pew, ou como é conhecido no Brasil, Pepe le Gambá, ficou de fora do filme porque sua construção enquanto personagem reforça a cultura do estupro.

Fiquei surpreso quando li a notícia. Por se tratar de um personagem secundário, não lembrei no primeiro momento onde aquele suposto inocente coadjuvante dos desenhos animados poderia contribuir com a violência contra mulheres.

Nem precisei ir ao Google. Bastou puxar um pouco da memória para lembrar do que se tratava. Pepe Le Pew vive em função de conquistar uma fêmea de gambá à força. Não entende que “não é não”. Se apropria do corpo da vítima sem consentimento, em sucessivas práticas que colaboram para a normalização da cultura do estupro. Beijo forçado ou qualquer outra relação sem consentimento é estupro.

E aqui não entramos no mérito de cancelar ou não produtos culturais e obras de arte que reproduzem conceitos como machismo, racismo, xenofobia e tantos outros não mais aceitos graças à nossa evolução coletiva enquanto sociedade. O que foi feito está feito, deve se observar e ressalvar. A questão é não produzir novos produtos embasados em temas que violentam grupos ou incentivam a violência. Estupro não cabe na cultura, no basquete, ou em quaisquer outros âmbitos do esporte.

Texto publicado na edição de 12.03.2021 do jornal A União.

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