Jornalista, fotógrafo e consultor. Mestre em Computação, Comunicação e Artes pela UFPB. Escreve desde poemas a ensaios sobre política. É editor no Termômetro da Política e autor do livro infantil "O burrinho e a troca dos brinquedos". Twitter: @gesteira.
Jornalista, fotógrafo e consultor. Mestre em Computação, Comunicação e Artes pela UFPB. Escreve desde poemas a ensaios sobre política. É editor no Termômetro da Política e autor do livro infantil "O burrinho e a troca dos brinquedos". Twitter: @gesteira.
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Vaidade de quem?
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Técnico Oswaldo de Oliveira (Foto: Reprodução/YouTube)

Quem tem as tatuagens mais bonitas, é Messi ou Cristiano Ronaldo? De tão esdrúxula, a pergunta nem merece resposta. Em minha defesa digo que não se trata de coisa que queira saber, mas de uma provocação, pois se algo de foro tão íntimo como uma tatuagem passa a ser tema de debates no universo do futebol, quer dizer que em algum momento o aspecto físico mais relacionado à estética dos jogadores e demais astros do mundo da bola está sobrepondo as capacidades alcançadas por eles por meio de seus corpos.

Numericamente Messi ganha disparado, tem muito mais tatuagens que Cristiano Ronaldo. Tem até daquelas bem fechadas, que dizem não ser para qualquer um, pois, devido à quantidade de tinta, o processo torna-se bastante doloroso. É vaidade ter muita tatuagem? Cristiano Ronaldo não tem nenhuma, e nem por isso é menos vaidoso. Messi, todo tatuado, se olha menos em campo para arrumar o cabelo no telão do que Ronaldo. Fãs argumentam em nome do craque português que não se coloca adesivo numa Ferrari. Ele, por sua vez, diz que não tem tatuagens simplesmente por ser doador regular de sangue. Fato é que ter ou não ter não é da conta de ninguém, e num mundo repleto de imagens compondo uma estética corporal única, não ter também é uma forma de usar o espaço da pele para ocupar com o vazio. Em toda ausência há significados.

Quando comecei a acompanhar futebol, vaidade de jogador era no máximo ter cabelo grande. Grande e penteado já era luxo, coisa pra jogador argentino. Vaidade, vaidade mesmo era saber acertar lançamento de trivela, fazer gol de trivela; bater falta no ângulo, como quem coloca com a mão; ou meter uma bola enfiada por entre meio time, daquelas que passam por todo mundo parecendo até que passou por debaixo da terra, deixando o atacante sozinho, cara a cara com o goleiro. Dizem que o inventor desse tipo de passe foi o espanhol Iniesta, mas quem assistir aos jogos da Copa do Mundo de 1982 vai ver Zico fazendo o mesmo, talvez não melhor, mas certamente mais bonito.

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Já num mundo plenamente midiatizado, mas antes da era das redes sociais digitais, vaidade de jogador era ter um DVD pra chamar de seu. Aquele compilado com os melhores lances da carreira. Recortes especialmente editados, trechos de jogos onde o atleta pode até ter se saído mal, substituído, vaiado, mas que em determinado momento arrancou sozinho num lampejo de genialidade. Na ausência de outras imagens, vale o registro que fora salvo. Dizem nos bastidores que Renato Gaúcho, técnico do Grêmio, guarda seu DVD e desafia qualquer jogador da atualidade a tem um apanhado melhor de grandes feitos. Com este registro debaixo do braço ele diz até que jogou mais bola do que o uruguaio Luis Suárez. Só não pode dizer que fez mais gols, contra a história não se mente.

A problemática da importância que se dá à aparência não está unicamente ligada ao mundo do futebol. Em outras instâncias as violências praticadas contra corpos e pessoas em função da estética são mais graves. Semana passada, a belíssima Paola Oliveira, aos 41 anos, teve dedos apontados para seu corpo enquanto sambava. Críticas de quem não gosta de mulher, obviamente. Hoje, jogadores buscam tratamentos estéticos, harmonizações, tatuagens chamativas, tudo para sair bem nas redes sociais. Enquanto focam no clareamento dental, esquecem que o melhor ângulo de um jogador é seu feito alcançado dentro de campo. Infelizmente se deturpam em razão de uma sociedade que alimenta esse tipo de conceito, onde mais vale a aparência. Dia desses o técnico Oswaldo de Oliveira ressurgiu após longo período longe dos holofotes. Com rosto modificado, a suposta harmonização facial do treinador tomou espaço da imprensa esportiva. A pauta deveria ser o que ele tinha a dizer. Saber o que as pessoas têm a dizer e a fazer me interessa mais.

Coluna publicada originalmente na edição impressa de 29 de dezembro de 2023 do jornal A União.

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