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PEC da Blindagem: impunidade no Congresso já levou à revisão da proteção parlamentar em 2001
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A impunidade de parlamentares investigados por crimes como corrupção, assassinatos e tráfico de drogas marcou a década de 1990, gerando revolta na sociedade e levando o Congresso Nacional a aprovar, em dezembro de 2001, a Emenda Constitucional (EC) 35. A medida eliminou a exigência de autorização prévia da Câmara ou do Senado para processar criminalmente deputados e senadores, que antes os mantinha imunes durante o mandato, atrasando investigações por anos. Agora, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3 de 2021, conhecida como PEC da Blindagem ou PEC da Bandidagem, busca restabelecer essa proteção, exigindo votação secreta e maioria nas casas legislativas para autorizar processos judiciais contra parlamentares.

Caso de Ronaldo Cunha Lima, que tentou matar rival político e morreu impune após anos de manobras judiciais por meio de mandatos no Congresso Nacional é um dos mais emblemáticos no país
Caso de Ronaldo Cunha Lima, que tentou matar rival político e morreu impune após anos de manobras judiciais por meio de mandatos no Congresso Nacional é um dos mais emblemáticos no país (Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

A jornalista Tereza Cruvinel, que cobriu política no jornal O Globo por mais de 20 anos e acompanhou a Constituinte de 1988 até a EC 35, relembra o contexto. “Começaram a surgir parlamentares com envolvimentos criminais. Muitas vezes, eles pertenciam a partidos poderosos, e o Judiciário não conseguia as licenças para processá-los. Quando o Supremo pedia, era invariavelmente negado. Quase 300 pedidos foram negados até 2001”, disse. Ela destaca que a aprovação da emenda foi uma resposta à pressão midiática contra o “protecionismo extremo” que confundia imunidade com impunidade. “Foi uma reprovação da sociedade àquele protecionismo extremo de parlamentares, que eram praticamente inalcançáveis pela lei”, completou.

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Casos emblemáticos, como o do senador Ronaldo Cunha Lima, da Paraíba, reforçaram a mudança. Em 1993, como governador, ele atirou contra o ex-governador Tarcísio Burity em um restaurante de João Pessoa. Preso, conseguiu habeas corpus e, eleito senador em 1995, usou a imunidade por oito anos. O STF pediu licença para processá-lo em 1995, mas o Senado só analisou o caso em 1999, negando-a. Apenas após a EC 35 ele foi processado, mas renunciou ao cargo de deputado federal em outubro de 2007, dias antes do julgamento no STF, transferindo o caso à 1ª instância. Na época, a viúva de Burity, Glauce, reagiu: “Ele passou 14 anos ludibriando a Justiça. Agora, quando sabia que ia ser julgado, renunciou para ser julgado pelo Tribunal do Júri. É uma palhaçada”.

Deputado da motosserra

Outro caso marcante foi o do “deputado da motosserra”, Hildebrando Pascoal, eleito em 1998 pelo Acre. Condenado por tráfico de drogas e homicídios, incluindo esquartejamentos com motosserra após deixar o mandato, ele ilustra a resistência do Congresso. Cruvinel explica: “O caso do Hildebrando foi apenas o mais emblemático. Quando os crimes dele estavam provados, e o Supremo pediu a licença, em vez de conceder, preferiram cassá-lo para não dar precedente e preservar aquele mecanismo”. O desabamento do Edifício Palace 2, em 1998, no Rio de Janeiro, que matou oito pessoas e envolveu o deputado Sérgio Naya, também acelerou a EC 35. Documentos do Senado registram: “As PECs que tramitavam sobre o tema nesta casa tiveram o seu andamento acelerado pela pressão popular, entrando na pauta de discussão da Comissão de Constituição e Justiça”.

A inclusão da blindagem na Constituição de 1988 visava proteger parlamentares após 21 anos de ditadura militar, temendo perseguições políticas, segundo Cruvinel. “A constituinte, que vinha para encerrar uma ditadura, teve a intenção de proteger os parlamentares contra eventuais futuros abusos, um retrocesso, uma nova ditadura ou meia ditadura. O deputado de hoje, por outro lado, está pensando em garantir uma blindagem contra quaisquer iniciativas da Justiça, inclusive dos delitos que envolvem emendas parlamentares”, analisou. A analista legislativa Orlange Maria Brito reforça que a proteção foi questionada por se desviar de sua finalidade original. “Permite-nos questionar a necessidade e atualidade em tempos em que não mais existiam a situação de autoritarismo do momento histórico e político em que foram concebidas”, ponderou. Ela destaca: “Diante de inúmeros fatos, ocorridos à época, instalou-se a preocupação em evitar que a imunidade se degenerasse como mecanismo que lograsse acobertar atos delituosos que não deveriam fugir da atuação do Poder Judiciário”.

Especialistas e organizações anticorrupção alertam que a PEC da Blindagem pode favorecer desvios em emendas. Defensores, como o relator Claudio Cajado (PP-BA), negam isso: “Isso aqui não é uma licença para abusos do exercício do mandato, é um escudo protetivo da defesa do parlamentar, da soberania do voto e, acima de tudo, do respeito à Câmara dos Deputados e ao Senado”. O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) adiciona: “Quem cometer crime vai pagar, uai. É simples assim, a gente vota, e a gente mostra que essa casa é contra criminoso”.

Com informações da Agência Brasil.

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