Política - -
Congresso destina mais emendas para castrar pets do que para meio ambiente, inclusive na Amazônia
Termômetro da Política
Compartilhe:

Mais de metade dos valores de emendas parlamentares destinados pelo Congresso ao ministério da área ambiental foram para castração de cães e gatos desde 2021, quando o governo Jair Bolsonaro (PL) decidiu que a coordenação política das esterilizações deveria ficar a cargo da pasta dedicada à proteção da natureza.

Ao todo, nos últimos cinco anos, os deputados e senadores reservaram cerca de R$ 249 milhões do Orçamento federal para o ministério, que na atual gestão Lula (PT) é chamado de Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Desse total, já corrigido pelo IPCA, 54% dos valores foram para o procedimento cirúrgico em animais, o que corresponde a aproximadamente R$ 135 milhões, segundo dados do portal oficial Siga Brasil.

Gastos para castração de pets também prevalecem nos estados da Amazônia Legal (Foto: Laura de Andrade)

Considerando as emendas investidas especificamente nos estados da Amazônia Legal, composta por Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão, os gastos para castração de pets também prevalecem. Nos últimos cinco anos, foi de R$ 8,8 milhões a soma das emendas direcionadas para essa região, onde fica a área de floresta tropical no país. Mais de três quartos (78%) desse montante, o equivalente a R$ 6,8 milhões, foram destinados para a esterilização de animais domésticos.

Além disso, os valores registrados como de abrangência nacional, que podem ter sido entregues para qualquer um dos estados ou órgãos como ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), totalizaram R$ 18,7 milhões.

O levantamento realizado pela Folha de S.Paulo toma como marco inicial 2021 porque foi naquele ano que o governo Bolsonaro retirou a coordenação da política de castrações de pets da área de zoonoses do Ministério da Saúde e a transferiu para a pasta de meio ambiente.

Leia também
Lula completa 80 anos como primeiro octogenário na Presidência da República e de olho no quarto mandato

No período, a emenda de maior montante é de autoria do deputado federal Bruno Ganem (Podemos-SP), de R$ 16,7 milhões. Eleito por São Paulo, o deputado reservou os recursos para castrações direcionando as verbas para um projeto de uma entidade com sede no Rio de Janeiro chamada Eu Sou Testemunha do Golias, argumentando que os planos são de que a instituição promova as esterilizações em cidades paulistas. Esse valor foi quase o dobro do montante em emendas destinado aos estados da Amazônia Legal nos últimos cinco anos.

Em 2023, congressistas criaram a Frente Parlamentar em Defesa dos Animais, que tem 66% de seus 204 membros alinhados mais ao centro e à direita, com pautas voltadas principalmente a animais domésticos. O Congresso também conta com a Frente Parlamentar Ambientalista, na qual 60% dos 188 integrantes pertencem a partidos com perfil mais à esquerda.

Na votação do chamado PL do Licenciamento, criticado por ambientalistas por flexibilizar leis de proteção à natureza, o placar entre os membros da Frente em Defesa dos Animais foi de 105 votos a favor e 52 votos contra. Já entre os parlamentares da Frente Ambientalista, foram 90 votos contrários ao projeto de lei e 45 favoráveis.

Na região amazônica, Belém será capital federal de 10 a 21 de novembro devido à COP30, conferência da ONU que coloca o Brasil na vitrine mundial e mobiliza a classe política com discursos em defesa da natureza.

Segundo Natalia Figueiredo, gerente de Políticas Públicas na ONG Proteção Animal Mundial, as atenções dos congressistas não devem ficar restritas à castração de pets. “É central olhar um pouco mais para animais silvestres, que congrega tanto ICMBio quanto Ibama, que são órgãos que têm essa prerrogativa, do que focar somente em programas de castração que são facilmente instrumentalizados e focados em atores locais, nos municípios”, afirma.

Para Figueiredo, a defesa de animais domésticos, ainda que muito necessária, é um tema fácil de ser explorado com o fim de garantir votos. “É uma pauta muito palatável e fácil de ser despolitizada, porque é bonito fazer um vídeo com um cachorro ou um gato. É um contrassenso se colocar como defensor dos animais e ser a favor do aumento do desmatamento, que atinge claramente os animais silvestres.”

Na avaliação da especialista, o retorno da pauta animal para a pasta da Saúde poderia aumentar a verba disponível, mas o comprometimento do Ministério do Meio Ambiente com o tema levou a avanços políticos importantes. “O decreto que transferiu o tema ao MMA trouxe o bem-estar animal e o direito dos animais expressos como competências do ministério. Hoje, é muito mais sobre o indivíduo animal e não só sob a luz da saúde humana. É um debate complexo, mas o animal precisa ser o centro do processo para se formular a política pública”, diz Figueiredo.

A secretária-executiva do MMA, Anna Flávia Franco, diz que a castração de pets sempre foi tratada como um problema de saúde pública e a recente migração do assunto para a área do meio ambiente permite uma abordagem mais ampla do tema, que é objeto de um programa específico no ministério ambiental. “O programa que o ministério elaborou principalmente nesta gestão vem resolver uma lacuna histórica. O animal doméstico tem que estar sob tutela do Estado também. Hoje o cachorro e o gato são entendidos como animais que demandam uma política de preservação e de controle populacional”, afirma Franco.

Procurada pela reportagem, a assessoria do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), enviou nota na qual afirma que “a presidência do Senado Federal e do Congresso Nacional não emite juízo de valor sobre as escolhas alocativas de parlamentares”.

“Considerando a dimensão continental do Brasil e suas diversidades regionais, a definição das prioridades para destinação de emendas é responsabilidade de deputados e senadores, individual ou coletivamente, nos termos da legislação”, afirmou Alcolumbre na nota.

Segundo a manifestação, “a definição do orçamento ambiental é de competência do Executivo, por meio do Ministério do Meio Ambiente em articulação com órgãos federais como o Ibama e o ICMBio. Cabe ao Congresso Nacional aprovar as leis orçamentárias, fiscalizar sua execução e participar das decisões por meio de emendas parlamentares individuais, de bancada e de comissão, submetidas a critérios de transparência e legalidade”.

A reportagem também buscou a presidência da Câmara dos Deputados por meio de sua assessoria de imprensa, que afirmou que o tema deveria ser tratado por líderes de comissões orçamentárias da Casa. As lideranças foram procuradas, mas não se manifestaram.

Com informações da Folha de S.Paulo.

Compartilhe:
Palavras-chave
emendas parlamentares