Advogado Popular, Professor de Direito, Mestre em Ciências Jurídicas (UFPB). Ex-Presidente do Conselho Estadual dos Direitos Humanos da Paraíba (CEDH/PB).
Advogado Popular, Professor de Direito, Mestre em Ciências Jurídicas (UFPB). Ex-Presidente do Conselho Estadual dos Direitos Humanos da Paraíba (CEDH/PB).
Procura junina
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(Imagem: ChatGPT)

Escrutinei todo o Parque do Povo
tentando encontrar você.
Olhei dentro da chuva,
enquadrei o cinza do céu de junho
rasgado por bandeirinhas em contraluz.

Mirei palhoças, mastros, balões
e, por cima das caixas de som mais altas
(copas secas de mandacarus e ipês),
recordei as tramas dos teus vestidos,
querendo adivinhar em que quadrilha você dançaria.

Mergulhei em panela de barro e carroça de milho,
tomei caldo de cana e suor dos forrozeiros,
topei nariz contra o obelisco,
canela contra grelha de crepe
e a testa numa marquise da Pirâmide.

Flanei pelas ruas do Catolé, Liberdade e Bodocongó,
Terminal de Integração lotado às seis da manhã,
risquei fachadas da feira e das casas da Prata
à sua procura: as caídas, as caiadas,
as que guardam herança art déco
e até as que imitam a tecnologia da UFCG.

Li em braile o chão da Feira Central,
as calçadas tortas da Maciel Pinheiro,
a terra batida de Galante ao Louzeiro
e os buracos da Avenida Canal.

Arrisquei-me no nó dos cabos da Energisa,
equilibrado entre poste e céu,
sem colete, sem capacete.

Te procurei na La Suissa, no Partage,
quem sabe você estivesse no cinema,
sozinha, ou comendo um pastel de açúcar?

Cacei você por toda Campina,
nos telhados da Vila do Artesão,
com minhas alpercatas gastas de tanto São João,
sem drone, vasculhando cada telha,
os cobogós cobertos com lona,
cada palco onde você não estava.

Quem sabe você não estivesse
dançando num terreiro da Palmeira,
nos arredores do Bar da Queda,
ou num forró nas Malvinas, disfarçada
de bomba canoa ou fumaça de fogueira,
entre uma pamonha e uma canjica?

Encharquei-me nos espelhos d’água
do Açude Velho, no ocaso do dia,
cruzei pontes, túneis e as curvas dos Cuités,
aguardei seu reflexo surgir
nos vitrais do Museu de Arte Popular.

Esperei que você pulasse apressada
a catraca de um ônibus da Cabral,
sem explicação alguma, direta e de repente
para o banco onde eu estivesse, distraído.

Era mais uma noite fria, neblinada,
em que fui ver se você estava
sob uma sombrinha ou capa de chuva,
de topless, como aquela atriz,
à minha espera, no Municipal.

Sublimei o vapor dos postes de led
que serenavam sobre mim
nos circuitos dos semáforos da Floriano,
no reflexo das poças da Vila Forró,
no decolar sincronizado das pombas
da Praça da Bandeira e do Calçadão,
executando nas pedras portuguesas
uma partitura secreta de festa e saudade.

Ao gradeado da antiga estação ferroviária
confiei a ponta dos meus dedos,
procurando uma linha sequer,
uma curva, um rabisco,
uma reta que me levasse até você,
ou ao menos à lembrança do seu nome.

Ah, depois extrapolei fronteira:
fui até o Bessa, Praça do Meio do Mundo,
passei pelo Cajá, Tambaú, Mangabeira,
tentando reencontrar você.

Mas em tudo você não estava.
Custava me dizer antes
que agora você habita,
etérea,
dentro de mim?

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literaturapoesia