Médica pela UFCG. Medicina Baseada em Evidência. Atendimento Humanizado. Defensora do SUS. Feminista. Instagram: @priscilawerton.
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Fim da UTI Covid
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(Foto: Priscila Werton)

As UTIs Covid do estado estão fechando. O número de pacientes graves caiu significativamente graças à vacinação. E vim aqui relembrar momentos importantes que vivi durante os plantões nesse setor:

Desenvolvi o Programa de Humanização do Atendimento ao Paciente com Covid, que visava trazer aconchego, conforto e amenizar as dores dos pacientes internos, assim como estreitar a relação paciente-profissional de saúde, já que durante alguns dias, fomos a família do paciente, que precisava ficar afastado dos seus.

O programa teve três frentes:

O Prontuário Afetivo: projeto da professora Ana Cláudia Quintans, especialista em Cuidados Paliativos, que trouxe para o prontuário do paciente informações pessoais, lembranças da vida fora do hospital e planos para a vida pós-hospital, com o intuito de lembrar que a vida lá fora o esperava;

Lembrar de que tem pra onde voltar muitas vezes motivou os pacientes a não desistirem.

(Foto: Priscila Werton)

Mãozinhas do Amor: idealizado por duas enfermeiras de São Carlos em São Paulo, duas luvas amarradas uma à outra com água morna em seu interior abraçavam as mãos dos pacientes, trazendo a sensação de “mãos dadas”, e ainda melhorando a perfusão periférica.

(Foto: Priscila Werton)

E o Colorir: ideia minha, algo óbvio, porém pouco feito em ambientes de UTI. Usando EPIs coloridos como toucas, máscaras, luvas e capotes descartáveis das mais variadas cores foi possível trazer alegria e descontração ao ambiente pálido e frio da UTI, melhorando um pouco que fosse o dia dos pacientes, que achavam engraçado a equipe vestida de rosa, por exemplo, e da equipe, que se sentia especialmente notada dentro do hospital.

(Foto: Priscila Werton)
(Foto: Priscila Werton)

Através desse programa pude me aproximar ainda mais de vários pacientes e vou contar um pedacinho da história deles pra vocês:

Senhor C morreu em casa, depois de ter recebido alta hospitalar… essa notícia me abalou muito porque, apesar das comorbidades, ele era um paciente com excelente evolução, estava certa de que se recuperaria completamente.

Ainda fico pensando no dia que escrevemos seu prontuário afetivo e ele me contava cheio de orgulho que foi dono de um cinema e dedicou toda sua vida a filmes, amava tudo relacionado a eles. Estava ainda em uso de oxigênio, debilitado, mas foi um dia bom, por alguns instantes ele esqueceu que estava no hospital doente e lembrou das coisas que gostava, ganhei meu dia. Me sinto sortuda por ter uma profissão tão linda que me proporciona ajudar tanta gente e de ter podido levar um pinguinho de alegria para C naquele dia.

A Covid me ensinou muito sobre a morte durante todos esses dias, seu C me deu uma aula sobre a vida.

Dona G tem 69 anos, esteve 9 dias internada na UTI Covid, a acompanhei por uma semana. Um dia ela chorava enquanto eu pegava um acesso e todos estávamos muito preocupados com sua recuperação, idosa, obesa, entre outras comorbidades. Dias depois eu dei alta para que ela fosse comemorar o Dia das Mães com seus sete filhos!! Foi um Dia das Mães especial.

Dona MF esteve conosco por um mês, passou 20 dias entubada. No seu último dia antes da intubação estávamos juntas, conversamos muito, ela segurava minha mão e dizia como estava com medo e eu tentava acalmá-la. No meu último plantão com ela, se preparava para ir para casa, foi extubada uma semana antes e estava quase pronta para retornar ao seu lar. Conversamos muito mais uma vez, ela estava muito feliz porque ia pro ‘mêsversário’ do seu netinho e eu segurei sua mão pra me despedir, não nos veríamos mais.

Terminei esse plantão muito feliz em ver todos os outros leitos vazios e ela se recuperando muito bem.

Essa passagem pelas UTIs Covid me ensinou muita coisa, muitas lições de vida e de morte, muitos pacientes se foram, muitos ganharam novas chances de viver. Fiz muitos amigos, pessoas maravilhosas, equipes que dão aula de dedicação e trabalho conjunto, fui muito feliz em ter tido essa chance.

Trabalhar em um ambiente cheio de medo, angústia, morte, pandemia e desespero foi muito difícil, transformador, exigiu muito da minha saúde mental, por muitas vezes tive que rever minhas crenças, minhas prioridades e aprendi, mudei para conseguir passar por isso, porque tinha muita gente precisando de mim.

A Medicina tem dessas, que eu siga me reinventando.

Obs: a pandemia não acabou!! Continuemos todos os cuidados, os serviços de UTI estão fechando, mas estamos atentos para uma necessidade futura de reabertura!

#VIVAOSUS

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