Jornalista e doutoranda em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais pela Universidade do Porto (PT). Autora do livro Flores nos Canteiros (A União, 2018). Interesse em temas sobre feminismo, viagens, comunicação e redes sociais. flavia.lopes.sn[a]gmail.com
Jornalista e doutoranda em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais pela Universidade do Porto (PT). Autora do livro Flores nos Canteiros (A União, 2018). Interesse em temas sobre feminismo, viagens, comunicação e redes sociais. flavia.lopes.sn[a]gmail.com
O primeiro topless europeu a gente nunca esquece  
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Praia de Paredes de Vitória (Foto: Flávia Lopes)

Se você já esteve na Europa durante o verão e nunca viu um topless (quando as mulheres tiram as partes de cima do biquíni), então você ainda não teve a experiência completa de veranear no velho mundo. A minha experiência foi vivida com sucesso apenas neste ano, depois de quatro anos morando em Portugal. Mas, não me entenda mal, eu só vi, não vivi. Não tirei o meu biquíni (ainda não estou preparada para isso e nem sei se algum dia vou estar). Mas, ver peitos livres de outras mulheres, confesso: foi satisfatório. E ao mesmo tempo estranho.

Uma vez eu vi um homem nu correndo na praia de Aveiro. Foi muito esquisito. Julguei a liberdade como um acesso de loucura ou talvez um lapso de uma provável embriaguez. Não era uma praia de nudismo, mas lá estava o homem correndo se balançando para o mar. Bizarro, estranho. Mas um episódio único. Que morreu na minha memória. Mas quando vi o topless fiquei pensando por isso alguns dias.

Eu estava pegando sol junto ao meu namorado numa praia em Portugal, chamada Paredes de Vitória, perto de Nazaré. E era um dia de praia normal. Quer dizer, não tão normal para uma nordestina que cresceu nos hábitats naturais das praias mais lindas e com mar quentinho. Era normal para o cenário europeu: sol forte, céu limpo, com muito vento e uma água gelada. Nesses dias o que resta é cobrir a cara com um pano e tratar de aproveitar o calor do sol. Esses dias são preciosos.

Quinze minutos de bronze de frente. Tá na hora de virar. Retiro o pano da minha cara  e aperto os olhos para enxergar melhor à minha volta e os vejo. Uns peitos. Bem livres. Conversando. Do meu lado. Super na paz. De boas. O sol estava meio forte e eu sem óculos escuros. Esfrego os olhos, com cuidado para a areia não entrar. Eram eles mesmos, os peitos livres. Duas mulheres conversando. Uma de topless, a outra não. Cutuquei meu namorado e disse: “Look, boobies!”. Ele olhou e não esboçou muita reação. Já eu, parecia ter visto um passarinho azul. Mas que coisa, nem parece que fui uma menina que cresceu vendo a Globeleza dançar seminua nas telinhas nos anos noventa. Afinal o que é um topless tranquilo na praia para quem via a banheira do Gugu?

Corta para o vestiário de academia europeu.

Se você entrar em um e não vir uma bundinha de boas, conversando com outras bundinhas sobre o clima, a massa do pão ou o trânsito da cidade você não está num vestiário europeu. Ali são muitos peitinhos livres conversando à toa sobre as banalidades da vida enquanto respiram sem a prisão do sutiã. Há relatos que nos vestiários masculinos acontece o mesmo. Todos conversam nus.

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E por que isso me impressiona? Eu, crescida na Paraíba, um dos estados do Brasil que tem uma das mais famosas praias de nudismo do país. Crescida no Brasil, onde o corpo feminino brasileiro está nu nas festas de carnavais, nas novelas, nas propagandas, nas praias e no imaginário? Na teoria, não faz sentido. Já na prática…

Conversei com muitos amigos brasileiros sobre esse estranhamento. E é unânime. E a pergunta que ficou para mim é: Por que nós, brasileiros, estranhamos a nudez quando ela não é sexualizada? Perceba que nas festas populares e em tantas outras formas de expressão popular, como o carnaval, a praia, a novela etc. o corpo feminino é exposto, sempre sexualizado e, apesar de trazer desconforto para muitos, é tratado (e aceito) com uma normalidade ensurdecedora.

Aqui na Europa é o contrário. A nudez feminina não é exposta de forma tão sexualizada (como no Brasil que inclusive importa essa imagem da mulher brasileira), porque a nudez é normalizada no dia a dia. No vestiário do ginásio, num topless na praia. Claro que há suas exceções, nem todo mundo tira as partes de cima do biquíni, claro que tem comercias que sexualizam, entre tantas outras coisas, mas não está cravado no imaginário. Entende? Aliás, aqui em Portugal topless nem é tão comum assim. Mas, quando acontece não se faz um estardalhaço. Não vira carnaval.  

Em outros países, como na França e Espanha, por exemplo, o topless é muito mais comum. Outro exemplo é o Japão. É um país muito conservador, mas nas termas, lugares com águas quentes, o banho é coletivo. E é todo mundo nu.

Uma vez vi um programa estrangeiro no canal SIC Radical de Portugal em que as pessoas escolhiam o parceiro a partir das partes do seu corpo desnudas. O dating show britânico, chamado “Naked Attraction”) mostrava pessoas nuas (homens e mulheres), em tubos transparentes que iam desvendando o corpo desde os pés à cabeça. A cortina do tubo subia se a pessoa que estava escolhendo gostasse do corpo do outro. A seleção vai finalizando e a curtida vai subindo. E chega a fase mais constrangedora quando o que está escolhendo comenta porque escolheu tal ou tal genitália. É gourmet de genitália, por acaso? Alguém contou e registrou que só no primeiro episódio foram mostrados “96 planos de vaginas e 282 de pénis”, diz a reportagem  “Naked Attraction”: os segredos do programa mais manhoso e viciante da televisão – NiT.

Apesar dessa bizarrice (e de tantas outras que não tenho conhecimento, na Europa ou fora), é o Brasil que exporta a fama da mulher brasileira, do sexo, do corpo perfeito, do fio dental, da depilação brasileira.

E quando falamos de objetificação do corpo, o sujeito central é sempre a mulher. Talvez não seja sem lógica o meu estranhamento com o topless. É que o corpo é político e responde ao contexto. Quando mulheres mostram seus corpos não a partir da imagem da sexualização, mas partindo da autonomia da sua própria decisão é que deve causar estranhamento. Mesmo eu, que leio, que estudo sobre feminismo, que me considero feminista, blá blá blá… ainda me causa estranhamento. Aliás, não causa estranhamento quando vejo, mas causa estranhamento quando penso em fazer. 

As feministas dos anos 60 lutaram para ressignificar o seio e talvez pensaram: “Peito não é órgão sexual! Vamos mostrá-los! Vamos queimar sutiã! Se enxergam sexo nisso tratem essas ausências de amamentação com Freud”, sei lá. Mas, o assunto está para além disso. Sobre o corpo feminino livre ainda há muito a ser desvendado. Podemos falar de processos colonizadores também sobre o corpo da mulher, que muito foi oprimido, seja em países colonizados, ou países colonizadores, no Oriente ou no Ocidente. Mas, o que resta na atualidade, nos vestígios que encontramos nos dias de hoje como lidamos com isso é o que move os futuros comportamentos. Na Europa ou no Brasil. E no resto do mundo.

Desse esboço despido que escrevi depois que vi o topless e lembrei do homem nu correndo na praia, dentre tantos questionamentos, reflexões, perguntas e inquietações, uma lição ficou: corpo é discurso e nudez vai muito além de sexo. 

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Palavras-chave
corpofeminismo