Mãe, mulher, jornalista e repórter da TV Câmara de João Pessoa. Escritora de crônicas nunca publicadas.
Mãe, mulher, jornalista e repórter da TV Câmara de João Pessoa. Escritora de crônicas nunca publicadas.
Qualquer existência é política
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Podem vir CPI, Pazuello, o Ministro da boiada, o Véio da Havan, e até o rapaz de terno da segurança do shopping; podem vir uma separação, o fim de um lance legal, a sua namorada de cabelo cacheado, o silêncio daquela gente que antes era minha, uma gravação de três minutos da claro sobre a qual é impossível interagir, e inclusive uma tartaruga morta na Praia do Bessa. Podem vir o desamor, as obras no condomínio em meio ao home office, os negacionistas, e até a Escola Remota, que na verdade deveria se chamar Escola sem Alma, já que ninguém ensina sem presença — e esta, lamento informar, faz parte tanto do ar que se respira quanto do jeito como se dá bom dia ou se pede licença. 

Qualquer existência é política, meus caros inimigos. Mas isso aqui não importa: pode vir o que vier, e olha que tem vindo muita coisa ruim pra nossa terra brasilis, mas uma pessoa que perdeu a mãe — com 65 anos, o que torna a morte injusta — e tomou duas ou três rasteiras que deram uma certa intimidade com o chão, já entendeu que qualquer adversidade ou mesmo alguma alegria primitiva sempre dará a impressão de que amadurecer é meio isso, e, como dizia Gonzaguinha, “é bonito e é bonito”. Assim foi até o dia de ontem, quando, talvez pela primeira vez em muito tempo, eu tenha ficado na dúvida a respeito das regras do jogo. 

Mas quando a doce Madu, ao se despedir do pai, que morreu aos 59 anos por complicações da Covid-19, disse que não desejava a ninguém a dor que estava sentindo, eu entendi que talvez ela seja a pessoa mais feliz que eu conheço, e nem a pior dor do mundo a fez perder o olhar pro outro. E quando me dei conta estava diante de outra revolução, dessa vez, dentro de mim. 

Nunca fomos tão tristes, prezados parceiros de língua. Nunca a água doeu tanto, nunca a chuva foi tão feia, nunca o amor valeu tão pouco, eu pensei, diante da minha janela — minha Majestade nessa pandemia.  

O fato é que, anestesiada  com os números catastróficos de mortes em pandemia e sob o poder transformador de um hino de ousadia e suavidade que eu acabei de ouvir — que parece inaugurar uma era de homens gigantes e canções sentidas, onde é quase possível tocar no tempo e agradecer, obrigada Tom, Zeca, Moreno e Caetano, todo homem precisa mesmo de uma mãe —, eu tomei uma decisão que não muda a vida de ninguém mas que pode revolucionar a minha pequena jornada até 2022: eu nunca mais vou falar mal do Bolsonaro. Aliás, eu não vou nem mais pronunciar o nome desse cidadão. Nem dele, nem de alguns prefeitos do meu DDD. Eu sei, parece simples. Banal. Talvez até óbvio, uma vez que a vitória desse sujeito  nas urnas é um fato que já dura quase três anos. 

Mas pra mim, embora pareça uma decisão ingênua e quiçá infantil, é praticamente uma conversão ao budismo, só que meu Dalai Lama atende por outro nome. E minha religião agora é recuperar o prazer de ser brasileira — a tal alegria  primitiva a qual me referi no início dessa coluna. Não é preciso muito para apagar uma pessoa: basta convencê-la de que ninguém precisa do que ela faz, Dostoiévski disse isso. E não é de um instante pro outro, é? Quando a gente menos espera. “Distraídos venceremos”, já dizia Leminski. O fato é que, de mãos dadas vamos perder o medo de chegar até 2022.

Texto publicado originalmente no site Jornal da Paraíba.

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