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Papéis isentos podem custar mais ao Tesouro do que perda de arrecadação, aponta estudo
Termômetro da Política
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Os papéis com isenção tributária, como letras de crédito do agronegócio (LCA), letras de crédito imobiliário (LCI) e certificados de recebíveis (CRA e CRI), geram um custo ao Tesouro Nacional que pode superar a perda de arrecadação, segundo estudo da Receita Federal e do Banco Central (BC) obtido pela Folha de S.Paulo. Esses instrumentos, que alcançaram R$ 1,2 trilhão em estoque até agosto, beneficiam investidores de alta renda, enquanto o governo arca com o ônus de financiar o custo da dívida pública.

Como LCA e LCI oferecem rentabilidade líquida mais alta devido à isenção, o governo precisa aumentar os juros pagos nos títulos públicos para atrair investidores, elevando o custo da dívida pública (Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

O estudo aponta que, em 2023, a renúncia fiscal com esses papéis totalizou R$ 58,5 bilhões, sendo R$ 28,8 bilhões em LCA e LCI, R$ 23 bilhões em CRA e CRI, e R$ 6,6 bilhões em outros papéis isentos, como debêntures de infraestrutura. Contudo, o custo real para o Tesouro é maior devido ao impacto indireto no mercado de títulos públicos. Como LCA e LCI oferecem rentabilidade líquida mais alta devido à isenção, o governo precisa aumentar os juros pagos nos títulos públicos para atrair investidores, elevando o custo da dívida pública.

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“Quando se dá uma isenção, o governo deixa de arrecadar diretamente o tributo, mas o impacto econômico é muito maior, porque o governo também toma empréstimos e, se o mercado está cheio de papéis isentos, ele precisa pagar mais caro para financiar sua dívida”, explicou uma fonte do governo à Folha. O estudo estima que, para cada R$ 100 de LCA emitidos, o Tesouro precisa emitir cerca de R$ 83 em títulos públicos a juros mais altos, amplificando o custo fiscal.

Os papéis isentos concentram benefícios entre investidores de alta renda. Dados do estudo mostram que 62% do estoque de LCA e LCI está nas mãos de pessoas com renda mensal superior a 30 salários mínimos, enquanto 80% dos CRAs pertencem a investidores com renda acima de 20 salários mínimos. “Esse é um mecanismo que, na prática, transfere renda para os mais ricos, porque quem investe nesses papéis são pessoas com alta capacidade financeira, enquanto o custo recai sobre toda a sociedade via aumento da dívida pública”, afirmou a fonte.

A Receita Federal e o BC sugerem que a tributação desses papéis poderia equilibrar o sistema, reduzindo desigualdades e o impacto fiscal. Em 2023, o governo tentou limitar emissões de LCA e LCI, mas a proposta foi rejeitada pelo Congresso. O estudo também destaca que esses instrumentos, inicialmente criados para financiar setores como agronegócio e imobiliário, muitas vezes são usados por bancos para captação genérica, desviando-se de sua finalidade original.

No mercado, os papéis isentos têm crescido exponencialmente. O estoque de LCA e LCI passou de R$ 351 bilhões em 2019 para R$ 683 bilhões em agosto de 2025, enquanto CRAs e CRIs saltaram de R$ 104 bilhões para R$ 277 bilhões no mesmo período. Esse crescimento pressiona o Tesouro, que enfrenta dificuldades para financiar a dívida pública em um contexto de juros elevados.

A discussão sobre a tributação desses papéis ganhou força no governo Lula, que busca alternativas para aumentar a arrecadação sem comprometer a política fiscal. “A isenção tributária não é neutra; ela tem um custo que vai além da renúncia fiscal e impacta diretamente a sustentabilidade das contas públicas”, disse a fonte do governo. No entanto, qualquer proposta de tributação enfrenta resistência de setores financeiros e de investidores, que defendem a manutenção dos benefícios fiscais.

Com informações da Folha de S.Paulo.

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