Anderson Pires é formado em Comunicação Social – Jornalismo pela UFPB, publicitário e cozinheiro.
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A vida de quem em primeiro lugar?
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Foto: Fernando Frazão – Agência Brasil

A CNBB emitiu uma nota intitulada “A vida em primeiro lugar”, em que diz condenar qualquer flexibilização do aborto no Brasil. Ainda diz que o Governo Federal precisa esclarecer a revogação da portaria emitida pelo Ministério da Saúde durante a gestão de Bolsonaro, que determinava a comunicação às autoridades policiais da realização de aborto após a mulher ter sofrido estupro.

Com a revogação da portaria de 2020, volta a valer o texto publicado em 2017, que já estabelecia uma série de procedimentos para autorizar a interrupção da gravidez, mas não falava da necessidade de comunicação à polícia. No Brasil existem situações previstas na lei em que o aborto é autorizado: quando a gravidez é resultado de violência sexual; quando não existem meios de salvar a vida da gestante e; em casos de anencefalia.

Em todas essas situações a mulher está submetida a sofrimentos extremos. Não existe como cogitar que uma mulher procure mecanismos legais para abortar, sem que seja verdade essas situações previstas em lei. É inconcebível imaginar que uma mulher afirmaria que sofreu um estupro, sabendo que seria violentada moralmente da forma mais dura pela sociedade, família e o próprio estado, apenas para conseguir realizar um aborto por intermédio do serviço público e com aval da Justiça.

A realidade quase que absoluta das mulheres que praticam aborto no Brasil, seja por uma gravidez indesejada, ou por terem sido vítimas de violência sexual, é de procurarem formas clandestinas e ilícitas, por saberem que independentemente de estarem enquadradas nas exceções da lei, a condenação é preexistente. 

O Estado Brasileiro não pode ser reprodutor de preconceito e desumanidade. A discussão sobre o aborto não tem amparo em crenças ou frases de efeito que sintetizam mentiras como essa adotada pela CNBB na nota condenando a revogação de uma portaria do Governo Bolsonaro. A portaria servia apenas como um instrumento para criminalizar as mulheres que resolverem abortar após engravidarem em decorrência de um estupro.

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Qual a vida que a CNBB diz estar em primeiro lugar? Será que é muito difícil perceber que já houve uma vida destruída pela violência sexual, quando uma mulher tenta usar da lei para abortar após sofrer um estupro? A dimensão espiritual deveria servir para amplificar o humanismo. Bem diferente do que a CNBB expressa, assim como muitas outras igrejas, que negam a vida de quem sofre, mas prefere reafirmar seus dogmas, mesmo que isso sirva para reproduzir mais sofrimentos.

A condição de vulnerabilidade da mulher é prévia, seja ela de qual classe social for. É óbvio que a pobreza agrava esse quadro. Dinheiro viabiliza menos exposição e soluções seguras para abortar. Porém, isso não repara a violência sexual sofrida. Nesse caso, todas as mulheres que forem submetidas a esse tipo de situação são vítimas. Sendo assim, não existe espaço para qualquer entendimento diferente, que obrigue a mulher a ser coagida como uma criminosa e submetida a mais uma violência, que é a comunicação do aborto por estupro à polícia.

Quem acha isso razoável, expressa a desumanidade em condenar duas vezes: pela violência sexual sofrida e pelo constrangimento ilegal. Isso não é proteger a vida, é uma tentativa de extermínio e de imposição do sofrimento mediante coação policial.

A CNBB produz um mal extremo quando edita esse tipo de nota. Atua com o máximo de agilidade para tentar impor mais uma violência à mulher, mas sempre foi morosa em fazer críticas enfáticas ao uso de armas, aos ataques às minorias e até quando a violência foi praticada pelos seus membros. Essa postura serve aos desumanos que condenam o aborto, mas levantam bandeiras pela pena de morte e a redução da maioridade penal.

Os mesmos que condenam a mulher que aborta após estupro, são os que defendem o extermínio de menores pela prática de crimes como furtar um celular. Quando conveniente são defensores da vida. Querem obrigar a nascer em qualquer condição. Depois, defendem a prisão e morte para que não sejam incomodados pelos reflexos da violência, pobreza e desigualdade.

A CNBB não defende a vida em primeiro lugar. Existe uma hierarquia e seleção do que mais importa. A vida deve ser um princípio, não pode ser um substantivo que se joga no meio de uma frase, sem qualquer compromisso social e ausência de senso humanitário.

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